Terry
Eagleton contra os pós-modernos: a ironia de uma crítica corrosiva.
Lisandro Braga[1].
O pós-modernismo
crê que alguém
inventou sem
fundamento algum
a proposição de
que é possível
“explicar”
alguma coisa.
Júlio Aróstegui
Resumo: No presente
artigo pretendemos analisar a produção teórica de Terry Eagleton acerca do
pós-modernismo e sua vertente culturalista. Para isso utilizaremos,
fundamentalmente, duas de suas principais obras, As ilusões do pós-modernismo (1998) e Depois da teoria – Um olhar sobre os estudos culturais e o
pós-modernismo (2005), que foram
dedicadas a desmascarar, com requintes de ironia e corrosão, as ilusões
estéreis desse movimento cultural que, segundo Viana (2009), expressa uma
contra-revolução cultural preventiva.
Palavras-chave: Modernidade,
crise de acumulação, pós-modernismo, ideologia e luta de classes.
Abstract: In this article we intend to analyze the theoretical production of
Terry Eagleton on the post-modernism and its cultural. To do this we will use
essentially two of his major works, The Illusions of Postmodernism (1998) and
After Theory – a look at the cultural studies and postmodernism (2005), who
were dedicated to exposing, with touches of irony and corrosion, the sterile
illusions of cultural movement that, according to Marcuse (1981) express a
preventive counter-revolution or, as prefer Viana (2009), a preventive
counter-cultural revolution.
Key-works: Modernity, crisis of accumulation, post-modernism, ideology and struggle
class.
O que é a modernidade?
Em que consiste a pós-modernidade e o pós-modernismo? Em que contexto histórico
o pós-modernismo emerge, que relação orgânica possui com tal contexto e que
interesses e necessidades visa atender? Essas são questões que ao longo desse
capítulo buscaremos respostas e, juntamente, com essas apresentaremos os
principais argumentos e críticas de Terry Eagleton.
A modernidade equivale ao resultado final de
um amplo processo histórico de transição do feudalismo para o capitalismo, ou
seja, denominamos de modernidade a totalidade das relações sociais existentes
no modo de produção capitalista que tem como determinação fundamental a
produção de mercadorias, que corresponde na essência à produção e expropriação
de mais-valor. Portanto, nessa relação de produção e expropriação prevalece a
exploração de uma classe social sobre outra e, conseqüentemente, a luta contra
a exploração. Vejamos, então, como se dá essa relação de exploração e a luta de
classes na modernidade.
As duas principais
classes sociais da modernidade são a burguesia e o proletariado. Da relação
entre essas classes é que deriva a produção de mais-valor. Para lucrar no
processo de produção de mercadorias a burguesia necessita extrair do trabalho
do proletariado, além do suficiente para repor os custos da produção
(matérias-primas, desenvolvimento tecnológico, maquinaria, salários e etc),
algo a mais que corresponda a todo trabalho exercido pelo mesmo no qual ele não
recebe, pois, é expropriado pela burguesia. Constata que
a produção de
capital (mais-valor convertido em lucro) é formada por dois componentes
existentes no processo de produção denominados de trabalho morto (matéria-prima, maquinaria e tecnologia em geral) e trabalho vivo que consiste na força de
trabalho operária. O primeiro não tem capacidade de gerar valor e apenas
repassa seus custos durante o processo produtivo, já o segundo é a única força
geradora de capital, ou seja, acrescenta à mercadoria mais do que o valor gasto
na sua produção. Por isso esse capital extra é denominado mais-valor (Braga, 2010,
p. 06).
A produção de
mercadorias consiste em um processo de acréscimo de valor, no entanto, sua
consolidação não ocorre na produção, mas sim no mercado, no consumo das
mercadorias. Numa sociedade fundamentada em relações sociais mercantilizadas,
como a sociedade moderna, a produção de mais-valor é seu fundamento e revela a
essência da exploração capitalista. Sendo assim,
O que
caracteriza a modernidade? Podemos dizer que é a mercadoria, tal como é
produzida em nossa sociedade. A produção capitalista de mercadorias revela uma
relação de exploração e dominação de uma classe social sobre outra. O processo
capitalista de produção de mercadorias é um processo de produção de mais-valor,
tal como demonstrou Marx (Viana, 2009a, p. 25).
Vale ressaltar que a relação
entre burguesia e proletariado na modernidade é marcada pelo conflito entre os
diversos interesses antagônicos dessas duas classes. A afirmação do capital
realiza-se na negação do proletariado uma vez que este, no processo de
produção, desempenha atividades alheias às suas necessidades, não atinge
através de suas potencialidades sua auto-realização total, encontra-se
completamente separado dos produtos do seu trabalho e, dessa forma, sofrendo um
processo de estranhamento. Segundo Marx,
O trabalhador só
se sente, por conseguinte e em primeiro lugar junto a si fora do trabalho e
fora de si no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha,
não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado,
trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência,
mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza
evidencia-se aqui tão pura que, tão logo inexista coerção física ou outra
qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho externo, o trabalho
no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de
mortificação. Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para o
trabalhador como se não fosse seu próprio, mas de um outro, como se não lhe
pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro
(2004, p. 83).
Por conta desse caráter
alienado do trabalho, o proletariado procura incessantemente encontrar formas
que garantam o mínimo da sua integridade física no trabalho e isso se evidencia
nas inúmeras possibilidades e maneiras de resistência e luta contra a opressão
do capital. Essas atitudes de resistência ocorrem de diversas formas, tais como
as mais pacíficas e camufladas como a “operação tartaruga”, o absenteísmo, o
atraso nos locais de trabalho, a destruição de peças e ferramentas que emperram
o desenrolar da produção, as constantes idas ao banheiro e sua demora etc.
Além dessas formas
imediatas, as lutas contra a exploração do trabalho tendem a adquirir em
momentos de crise e de radicalidade, uma postura mais nitidamente política[2],
tal como é perceptível nos processos de realização de greves que atingem
caráter geral, com a ocupação de fábricas e auto-organização da produção, no
qual o proletariado deixa de ser uma “classe em si” para se tornar uma “classe
para si”. Essa dinâmica acompanha o
desenvolvimento capitalista desde o seu nascimento até os dias atuais e
inúmeros exemplos históricos poderiam ser citados: As revoluções de 1848 na
Europa, a Comuna de Paris em 1871, as experiências russas a partir dos sovietes
em 1905 e 1917, a revolução alemã nas décadas de 1920, a ocupação de fábricas
na Argentina do final da década de 1990 até aproximadamente 2004 e assim por
diante. Essa é uma tendência intrínseca ao modo de produção capitalista.
Um amplo debate
sociológico já existe em torno dessa mudança de postura do proletariado, porém
não é nosso interesse resgatar tal debate, mas tão somente apresentá-lo segundo
a perspectiva do proletariado, ou seja, procurando compreender quem é essa
classe social, como se relaciona com a sociedade capitalista (modernidade) e
como enxerga tal sociedade a partir da experiência que mantém com a mesma. Em
síntese “essa
perspectiva, segundo Marx, marcaria a unidade entre o que é visto e a forma como
se vê” (Viana, 2007, p. 75).
A análise que Marx
realiza sobre o proletariado consiste em uma análise sobre a ontologia do
proletariado, sobre sua essência e não sua aparência. Sendo assim, é possível
encontrar na teoria de Marx uma análise sobre o ser-do-proletariado, conforme
explicitado na seguinte passagem:
“não se trata de
saber que objetivo este ou aquele proletário, ou até o proletariado inteiro,
tem momentaneamente. Trata-se de saber o que é o proletariado e o que ele será
historicamente obrigado a fazer de acordo com este ser” (Marx & Engels Apud
Viana, 2008, p. 59).
Nesse sentido, a
resistência implementada pelo proletariado não visa apenas adquirir, de
imediato, melhores condições de trabalho e vida, mas, também, a abolição do
trabalho alienado em sua totalidade. Nesse processo histórico de luta o
proletariado forma sua consciência de classe, constrói suas estratégias de
lutas, abandona as estratégias ultrapassadas e forja novos mecanismos de
resistência e avanço da luta em direção à construção daquilo que Marx denominou
de “livre associação de produtores”, ou seja, uma sociedade na qual o
proletariado deixa de ser hetero-determinado (consciência de si), e se torna
auto-determinado (consciência para si) a partir do enfrentamento. Portanto, a luta
de classes, assim como a produção de mais-valor, representa dois dos
fundamentos essenciais da modernidade.
Além dessas duas
principais características da modernidade, coexistem diversas outras
características secundárias que derivam do seu fundamento, tais como:
racionalização da produção, competição capitalista, avanço tecnológico,
burocratização social, propaganda e marketing, fetichismo da mercadoria,
consumismo, mercantilização das relações sociais, produção cultural ideológica,
luta de classes nas esferas intelectuais e culturais etc. Várias outras
características existem, no entanto, para o propósito desse artigo essas nos
parecem suficientes.
Em termos metodológicos
toda essa discussão remete às categorias centrais da teoria marxista:
totalidade e determinação fundamental. A totalidade refere-se à sociedade
moderna como um todo, suas múltiplas determinações inter-relacionadas que o
envolvem, mas que possui uma determinação fundamental na qual todas as demais
se baseiam que consiste no modo de produção capitalista e toda sua dinâmica
revelada na produção de mercadorias.
Vale lembrar que um dos fundamentos do pós-modernismo está na negação dessas
categorias enquanto ferramenta metodológica para se compreender a realidade
social.
Depois de caracterizar
a modernidade, iremos a partir de agora apresentar o que é a pós-modernidade e
o pós-modernismo, segundo seus arautos e, posteriormente, ofereceremos as
análises feitas por Terry Eagleton e suas principais críticas endereçadas aos
intelectuais pós-modernos e suas ilusões, conforme afirma o título de uma das
suas principais obras: As ilusões do
pós-modernismo (1998).
Vale advertir que, devido aos limites e
propósitos desse texto, ou seja, a crítica de Terry Eagleton aos pós-modernos,
a mesma é realizada de forma geral, pois não realizamos nenhuma análise
aprofundada sobre as concepções específicas de determinados autores
pós-modernos, nem tão pouco às singularidades de suas obras. Contentamo-nos em
promover uma análise geral sobre tais autores, pautada por aquilo que os
aproxima, mesmo sabendo que não há homogeneidade na caracterização do
pós-modernismo, assim como no modernismo. Igualmente, a análise de Eagleton
sobre tais ideólogos, e que é tema central desse artigo, se procede da mesma
forma.
Assim como ocorreu com
o marxismo – e ainda ocorre -, inúmeras foram as vezes que a modernidade teve
sua morte decretada. De acordo com Ellen Meiksins Wood, no período que abrange
a I Guerra Mundial, Oswald Spengler inaugura essa tese ao escrever sua
conhecida obra A decadência do Ocidente (1918)
na qual proclamava o fim dos valores dominantes da cultura ocidental (a
modernidade), visto que “os laços e
tradições que mantinham coesa a sociedade estavam apodrecendo, e as
solidariedades da vida se desintegravam, juntamente com a unidade de pensamento
e cultura” (Wood, 1999, p.
07).
Nessa mesma perspectiva, ainda na década de
1950, C. Wright Mills afirmou ter chegado ao fim a era moderna e que a mesma “está sendo substituída pelo período pós-moderno”
(Mills apud Wood, 1999, p. 07). Segundo Mills, a crença
no progresso da razão e da liberdade derivada do iluminismo, juntamente com
suas principais ideologias – o liberalismo e o socialismo –, haviam se
esgotado.
No caso de Mills, havia
todo um contexto “favorável” a essa crença, pois a década de 1950 foi marcada
por um período de grande prosperidade do capitalismo no qual o desemprego
praticamente havia sumido, as legislações trabalhistas haviam sido criadas, a
ocorrência de um aumento significativo dos salários, do consumo e etc. Em suma
tal período coincide com o período de instalação do Estado do
“bem-estar-social” que motivou milhares de teóricos e estudantes universitários
a acreditarem que todos os males derivados do capitalismo teriam se erradicado.
Juntamente com essa
pseudo-erradicação[3]
dos principais males da sociedade capitalista, nasce, também, a ideologia do
fim da classe operária. Tal ideologia não é homogênea, visto que para alguns
tal tese se confirma pela expansão dos setores de serviços em detrimento do
setor industrial (Offe, 1989) enquanto para outros a explicação passa pelo fim
da utopia da sociedade do trabalho (Habermas, 1987). Vários outros autores, com
explicações diferenciadas, concordaram com essa tese, dentre eles podemos citar
Gorz, Foucault, Touraine e outros mais. No fundo o que tais ideologias possuem
em comum é o fato das mesmas buscarem “ofuscar
o marxismo e criar novas ideologias substitutas, para facilitar, assim, o
processo de dominação e reprodução do capital (Viana, 2009, p. 171). É
nesse clima de contestação das principais bases teórico-explicativas da
modernidade - podendo aqui ser entendida enquanto sinônimo de marxismo - que
surgem os primeiros anunciadores do fim da modernidade e início da
pós-modernidade.
Mas “de onde vêm os
pós-modernistas”? Poderíamos responder dizendo que os mesmos são oriundos do
final da década de 60 e início da década de 70, período marcado pela crise de
acumulação capitalista que é decorrente da tendência declinante da taxa de
lucro – que caminha com o capitalismo tal como suas necessidades de maximização
dos lucros, como diria Marx, com sorriso irônico: crise insolúvel – da ascensão
das lutas sociais e do questionamento da sociedade burguesa que em determinados
momentos adquiriu coeficientes de radicalidade. O maio de 68 assim como o
movimento de contracultura, o pacifismo e outros foram exemplos disso.
Juntamente com a
ascensão do movimento operário e de outros movimentos radicais, vários
intelectuais críticos são resgatados fomentando e acirrando as lutas. Tudo isso
acabou contribuindo para a reflexão sobre os problemas que afetavam vários
grupos sociais da época (estudantes, operários, mulheres, negros
norte-americanos, os marginalizados e etc). Assim, diversas temáticas
(cotidianidade, indústria cultural, razão instrumental, movimentos sociais,
marginalidade etc) passam a ser valorizadas e não mais desprezadas pela
intelectualidade. Porém, devido à intensa repressão capitalista aos movimentos
mais radicalizados, a inexistência de uma estratégia revolucionária e uma série
de outras determinações, ocorre o refluxo desse movimento denominado de Maio de
68 e juntamente com ele reinstala a normalidade capitalista.
É nesse contexto que nasce o pós-modernismo
como uma reação cultural ao movimento contestador, incorporando às suas
análises os temas anteriormente citados, porém de forma despolitizada,
fragmentada e com total desprezo pela totalidade das relações sociais. Conforme
afirma Viana, o pós-modernismo
retoma, isolando e despolitizando, os temas
das lutas operárias e estudantis do final da década de 60, quando houve uma
ascensão das lutas sociais e das concepções revolucionárias que se opuseram ao
conservadorismo, reformismo e crítica resignada existente (2009a, p. 32).
Com o propósito de
valorizar os aspectos da vida cotidiana das pessoas comuns ao invés de análises
totalizantes como a que valoriza o conhecimento sobre as relações entre classes
sociais e suas lutas emancipatórias, os estudos culturais pós-moderno tem cada
vez mais promovido uma total despolitização da vida social. Terry Eagleton se
posiciona de forma bastante crítica contra essa despolitização que por si só
expressa interesses políticos e de classes. Uma das maiores características de
sua escrita consiste na ironia de uma
crítica corrosiva que pode ser percebida em todos os seus principais textos
sobre o pós-modernismo e os estudos culturais.
Não é difícil encontrar adeptos dessa vertente
culturalista pós-moderna tentando justificar suas opções por determinadas
temáticas, diga-se de passagem, fúteis e apolíticas, sob a alegação do prazer
maior em pesquisá-las. É como se fosse uma obrigação ter prazer no ato da
investigação. Talvez seja por isso que
em
alguns círculos culturais, a política da masturbação exerce fascínio muito
maior do que a política do Oriente Médio.
O socialismo perdeu lugar para o sadomasoquismo. Entre estudantes da
cultura, o corpo é um tópico imensamente chique, na moda, mas em geral, o corpo
erótico, não o esfomeado. Há um profundo interesse por corpos acasalados, mas
não pelos corpos trabalhadores. Estudantes de classe média e de fala mansa
amontoam-se diligentemente nas bibliotecas para trabalhar com temas
sensacionalistas como vampirismo e arranca-olho, seres biônicos e filmes pornôs
(...) é parecido com escrever sua tese de mestrado comparando diferentes
sabores de uísques maltados ou sobre a fenomenologia de um dia passado na cama.
Isso cria uma continuidade entre o intelecto e a vida cotidiana (...) questões
intelectuais já não são mais uma assunto tratado nas torres de marfim, mas
fazem parte do mundo da mídia e dos shoppings centers, dos quartos de dormi e
dos motéis. Como tal, elas retornam ao domínio da vida cotidiana – mas só sob a
condição de correrem o risco de perder a habilidade de criticar essa mesma
vida. (Eagleton, 2005, p. 15).
Em sua obra As ilusões do pós-modernismo (1998),
Terry Eagleton diferencia pós-modernidade de pós-modernismo. Para ele,
A palavra
pós-modernismo refere-se em geral a uma forma de cultura contemporânea,
enquanto o termo pós-modernidade alude a um período histórico específico.
Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de
verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação
universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos
definitivos de explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo
como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de
culturas ou interpretações desunidas gerando um certo grau de ceticismo em
relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de identidades.
Essa maneira de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstâncias
concretas: ela emerge da mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova
forma de capitalismo – para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do
consumismo e da indústria cultural, no qual as indústrias de serviços, finanças
e informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política clássica de
classes cede terreno a uma série difusa de “políticas de identidade”.
Pós-modernismo é um estilo de cultura que reflete um pouco essa mudança
memorável por meio de uma arte superficial, descentrada, infundada,
auto-reflexiva, divertida, caudatária, eclética e pluralista, que obscurece as
fronteiras entre cultura “elitista” e a cultura “popular”, bem como entre a
arte e a experiência cotidiana (1998, p. 07).
Na introdução dessa
obra Eagleton esclarece que optou,
mesmo sabendo da imensa heterogeneidade que compõe o pós-modernismo, em
unificar tanto o período histórico (pós-modernidade) quanto à sua cultura
dominante (pós-modernismo) no próprio conceito de pós-modernismo. Portanto,
esse foi utilizado para designar as duas coisas. Ele afirma, também, que toda a
sua análise sobre o pós-modernismo parte de premissas essencialmente
socialistas.
A derrota da esquerda
nas lutas das décadas de 1960/1970 deixou grande parte da intelectualidade órfã
de um projeto alternativo de sociedade e instalou uma completa desilusão quanto
a qualquer possibilidade palpável de mudança social e combate ao sistema
capitalista. Mais do que isso, a partir daí o desânimo e a desesperança chegou
ao ápice da descrença ao colocar em xeque a própria possibilidade de
compreensão da realidade, quanto mais de sua transformação. O máximo possível
seria a busca pela compreensão de micro-esferas do real, a construção de
solidariedades de grupos fragmentados exigindo micro-reformas gradativas a
partir de uma infinidade de identidades fluídas e que não mais se relacionavam
com a totalidade, se é que é possível falar da existência da mesma segundo os
pós-modernos. Para Eagleton,
a
base histórica dessa crença reside na falência temporária dos movimentos
políticos concomitantemente de massa, de centro e produtivos; mas tal fato não
basta para que uma análise do ponto de vista histórico proceda à generalização
que transforma essa crença em doutrina universal. Adotariam essa teoria os que
eram jovens demais para lembrar de uma política de massa radical, mas que
tiveram suficientes experiências desastrosas e funestas com as maiorias
opressivas (1998, p. 13).
Daí pra frente os temas
dominantes no universo intelectual acadêmico estariam mais interessados em
discutir o supérfluo, o detrito ao invés do totalizante e do concreto. Até
mesmo porque as noções clássicas de verdade, razão, liberdade, essência,
emancipação e conhecimento da realidade não passavam, segundo os pós-modernos,
de meta-relatos filosóficos, construções lingüísticas, apenas discursos. Essa
última palavra passaria a servir de amuleto para descaracterizar qualquer
pesquisa compromissada em desmascarar as relações de opressão pautada pela
determinação fundamental existente, ontologicamente e não aparentemente, na
relação capital/trabalho. Em um período como esse não é de surpreender que “palestras
intituladas ‘restituindo o ânus a Coriolanus’
atrairiam hordas de acólitos excitados, pouco versados em burguesia mas
muito em sodomia” (Ibid, 1998, p. 13).
Sem
sombra de dúvidas, boa parte da crítica pós-moderna aos referenciais
metodológicos e teóricos da modernidade é endereçada ao marxismo, pois é nele
que as concepções mais radicais dos movimentos de contestação do final da
década de 60 buscavam se fundamentar e é primordialmente contra ele que a
“contra-revolução cultural preventiva” (Viana, 2009) buscava combater e
substituir. Portanto, cabe esclarecer em que consiste uma das principais
categorias analíticas do marxismo (a totalidade) para melhor compreender a
intensa recusa do pós-modernismo a essa categoria considerada como ineficaz e
ambiciosa demais.
Em
síntese podemos dizer que uma análise que parte da perspectiva da totalidade
não é exclusividade do marxismo, no entanto essa categoria na análise marxista
se distancia quilômetros e quilômetros das demais análises. De acordo com o
materialismo histórico-dialético a concepção de totalidade equivale ao que
abarca o todo, ou seja, a sociedade. No entanto, a sociedade é resultado de uma
síntese de múltiplas determinações (ex: políticas, culturais, sociais,
jurídicas, ideológicas e etc). Nesse sentido, a sociedade é composta por
diversas partes, mas dentre essas diversas partes existe uma que exerce
determinação fundamental: o modo de produção de determinada sociedade. Isso
equivale dizer que as inúmeras determinações da sociedade estão fundamentadas
no modo de produção capitalista, no caso da sociedade moderna.
Portanto,
compreender uma das determinações ou parte da sociedade capitalista remete
necessariamente à sua determinação fundamental, a forma como essa parte (micro)
está fundamentada no modo de produção. Logo, não há nenhum fenômeno social que
flutua acima da sociedade capitalista, nem mesmo a cultura como parece sugerir
a vertente culturalista do pós-modernismo que ao acusar o marxismo, de forma
equivocada, de promover um determinismo econômico, acaba por promover um
determinismo cultural uma vez que para esses
“agora é a
cultura, não Deus nem a Natureza, que é o fundamento do mundo. Não é, com
certeza, um fundamento dos mais estáveis, dado que as culturas mudam e há muita
variedade delas (...) Cultura, então, é um tipo acidentado de resultado final,
mas, ainda assim, um resultado final. Pega tudo, do começo ao fim. Em vez de
fazermos o que vem naturalmente, fazemos o que vem culturalmente (...) Cultura
é um conjunto de hábitos espontâneos tão profundos que não podemos nem ao menos
examiná-los. E isso, entre outras coisas, convenientemente os protege – nesse caso os culturalistas - de
críticas (Ibid, 2005, p. 90-91 – grifos meus).
Não
é à toa que a intelectualidade pós-moderna prefere, ao invés de partir da
totalidade, suas análises ditas desinteressadas e simplórias, pois
compreender uma
totalidade complexa envolve certo volume de uma análise rigorosa. Por isso
mesmo, não é de surpreender que um pensamento sistemático e árduo como este
esteja fora de moda e seja ignorado como fálico, cientificista ou qualquer
coisa no tipo de período que estamos imaginando. Se não há nele nada
particularmente que nos indique onde estamos – se somos um professor em Ithaca
ou Irvine, por exemplo – podemos nos dar o luxo de sermos ambíguos, evasivos,
deliciosamente vagos (Ibid, 1999, p. 26).
Nessa
passagem Eagleton demonstra como os fundamentos ideológicos do pós-modernismo
“encaixa como uma luva” para os interesses, valores e perspectivas de classe
dos pós-modernos, pois afirmar que nada pode ser compreendido a não ser meras
representações fragmentadas, que a verdade não passa de mera ambição da
intelectualidade dita radical e que o real nada mais é que um discurso entre os
vários possíveis e aceitos, acaba por isentá-los politicamente e mantê-los na
pseudo-neutralidade axiológica antes mesmo de pronunciar suas “perspectivas”,
pois
a suposição de
que qualquer crítica de interesses precisa ela mesma ser desinteressada mostra
como o pós-modernismo ainda está comprometido com seus ancestrais metafísicos.
Ocorre apenas que esses ancestrais acreditavam na possibilidade do
desinteresse, ao passo que os pós-modernistas não; fora isso, nada mudou. Se a
crítica fosse mesmo desinteressada, por que alguém ia perder tempo
praticando-a? Se para o pós-modernismo não podemos sujeitar nossos próprios
interesses e crenças a uma dose de crítica radical, isto se dá porque a crença,
ou o interesse, ou o discurso, agora elevou-se ao tipo de posição transcendental
já ocupado por uma subjetividade universal e, antes disso, por vários outros
candidatos que não aparentavam a menor qualificação para a função. Agora, os
interesses transcendentais, autovalidáveis, impérvios à crítica, e esta postura
decerto interessa alguém (...) uma vez que esse tipo de argumentação, que deixa
nossas crenças e investimentos sociais imunes a todas as ameaças radicais, nada
mais é que um verdadeiro discurso ideológico (Ibid, 1998, p. 44).
Deste modo,
Não buscar a
totalidade representa apenas um código para não se considerar o capitalismo.
Mas o ceticismo em relação às totalidades, de esquerda ou de direita, costuma
ser um tanto espúrio. Ele em geral acaba significando uma desconfiança de
certos tipos de totalidade e um endosso entusiasta de outros. Alguns tipos de
totalidade – prisões, patriarcado, o corpo, ordens políticas absolutistas – se
constituiriam tópicos aceitáveis de discussão, enquanto outros – modos de
produção, formações sociais, sistemas doutrinários – sofreriam uma censura
velada. (Ibid, 1998, p. 20)
Sem dúvida o marxismo
não se interessou pela análise de diversos fenômenos sociais, mas isso não
significa que seus referencias metodológicos devam ser descartados, nem tão
pouco que é responsabilidade do marxismo compreender absolutamente tudo, pois
não é exatamente esse o significado de totalidade para o marxismo. Em uma das
passagens da obra Depois da teoria – um
olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo (2005), Eagleton
comenta, de forma irônica e corrosiva, sobre essa confusão:
é
verdade, ainda assim, que o movimento comunista havia sido culpavelmente omisso
sobre algumas questões centrais. Mas o marxismo não é uma Filosofia da Vida ou
Segredo do Universo, e não se sente obrigado a pronunciar sobre qualquer coisa
entre como se sair bem abrindo um ovo quente e a maneira mais rápida de acabar
com piolhos em cocker spaniels. É uma descrição, grosso modo, de como um modo histórico de produção se transforma
num outro. Não é uma deficiência do marxismo que não tenha nada muito
interessante a dizer sobre a melhor maneira de fazer uma dieta – se com
exercício físico ou costurando as mandíbulas com arames. Nem tão pouco é um
defeito do feminismo ter-se calado até agora sobre o Triângulo das Bermudas.
Alguns dos que reprovam severamente o marxismo por não dizer o suficiente são
também alérgicos às grandes narrativas que tentam dizer demais (2005, p. 56).
Assim como as ciências
sociais sofreu um conjunto de transformações no início da década de 1970,
importantes mudanças ocorreram nos paradigmas da história. Segundo Aróstegui, a
partir dessa década surgem, primeiramente na América e logo depois na Europa,
vários questionamentos sobre a credibilidade das antigas doutrinas e
diagnósticos que dominaram as pesquisas sociais e historiográficas dos últimos
trinta anos. Para ele essa suposta crise paradigmática pode ser entendida como
um “esgotamento generalizado dos
paradigmas que durante essa época de esplendor haviam exercido uma influência
decisiva: o marxismo, o funcionalismo, o estruturalismo e, além disso, na
historiografia, o da escola dos annales” (Aróstegui, 2006, p. 175). Todas
essas correntes estavam fundamentadas na crença no poder da teoria, na eficácia
e superioridade de seus métodos.
O tipo de história
fundamentada nesses paradigmas gera repulsa para os pós-modernos que a partir
de então passam a apostar em projetos menos ambiciosos. Para eles a história
com H maiúsculo consiste em teleologia pura, uma vez que apresenta sua direção
rumo ao progresso. Contradições a parte, a ambição, nada modesta, dos
pós-modernistas era de oferecer novos fundamentos alternativos ao marxismo, que
passava a sofrer a acusação de ser progressista, evolucionista, essencialista,
economicista e etc. Todas essas acusações são inteiramente questionáveis,
dependendo do significado que tais acusações adquiram. No entanto, não
entraremos em detalhe a respeito das mesmas nesse texto.
A tentativa de
fundamentar essa nova e alternativa forma de interpretar o social surge com a
obra O pós-moderno (1984) de Jean
François Lyotard. Seu fundamento básico consiste na afirmação da crise da
modernidade, ou seja, na morte do projeto intelectual baseado na valorização da
racionalidade teórica e instrumental do conhecimento científico. Segundo o
próprio autor, “simplificando ao extremo, considera-se ‘pós-moderna’ a
incredulidade em relação aos meta-relatos” (Lyotard, 1986) . Como coloca
Eagleton,
a História, em oposição a história com h
minúsculo, é para o pós-modernismo um caso de teleologia. Isto é, ela depende da
crença de que o mundo está rumando propositadamente em direção a algum objetivo
predeterminado, mas mesmo assim imanente, que dá a dinâmica para esse
desenrolar inexorável (1998, p. 51).
Para os pós-modernistas
não existe mais uma História que possa ser descrita enquanto uma continuidade
linear, nenhuma meta-narrativa fundamentada numa lógica singular, pois a
história não passa de constantes mutabilidades, uma infinita descontinuidade,
um rio sem curso definido e pensar o contrário, afirmando que a mesma está
caminhando em alguma direção específica não passaria de teleologia arbitrária.
Mais uma vez esse tipo de acusação se dirige contra o marxismo que
pejorativamente é denominado de pensamento teleológico. No entanto, e
infelizmente, tais pós-modernistas se encontram completamente equivocados, pois
a essência (determinação fundamental) da história humana está firmemente
ancorada em uma história permanente de opressão e miséria. Basta perceber que
“a história para a grande maioria de homens e
mulheres que viveram e morreram, constitui-se em um relato de incessante
trabalho e opressão, de sofrimento e degradação – tanto que, como Schopenhauer
teve a coragem de confessar, teria sido preferível para muita gente não ter
nascido. E em lugar de ‘muita, Sófocles usaria ‘toda a’” (Ibid, 1998, p. 58).
Como pensar então na
possibilidade de uma história diferente, na qual a opressão e miséria crescente
que agoniza milhares de homens e mulheres em todo o mundo não passaria de
objetos ultrapassados de investigação, tanto quanto a constatação óbvia de que
os mesmos para sobreviver precisam de uma dieta calórica mínima e diária?
Novamente precisamos de uma análise totalizante que nos possibilite visualizar
o fundamento da produção de riqueza assim como da pobreza no capitalismo. Na
verdade pensar uma coisa separada da outra não faz o menor sentido. Segundo
Eagleton, aqui esbarramos num grande obstáculo, segundo os pós-modernistas,
pois trata-se de pensar uma categoria que para eles é tão nociva “quanto sal e
tabaco”, classe social.
A moda agora é falar de
identidades fragmentadas e não mais de classe social, esse conceito elitista,
heterodeterminado pela intelectualidade marxista que ignora os sujeitos e suas
percepções de mundo. Os indivíduos pós-modernos não mais se identificam como
pertencendo a essa ou aquela classe, mas sim a identidades múltiplas, variáveis
e sensivelmente instáveis baseadas, por exemplo, na raça, gênero e sexualidade.
É necessário lembrar os pós-modernos que a pertença de classe não depende,
necessariamente, do fato de o indivíduo se identificar ou não com essa ou
aquela classe, com esses ou aqueles valores, gostos e tradições. Pelo
contrário,
os
marxistas consideravam que pertencer a uma classe social significa ser oprimido
ou opressor. Classe significa nesse sentido categoria totalmente social, o que
não acontece com o fato de ser mulher ou de ter um certo tipo de pigmentação da
pele. Essas coisas, que não se devem confundir com ser feminina ou
afro-americano, derivam do tipo de corpo que você tem e não do tipo de cultura
a que você pertence (...) Ninguém, entretanto, tem um tipo de pigmentação da
pele porque outra pessoa tem outra, nem é homem porque alguém mais é mulher,
mas certas pessoas só são trabalhadores sem terra porque outros são fazendeiros
(Ibid, 1998, p. 62-63).
Não se trata, como o
próprio Eagleton ressalta, de uma competição entre marxistas e pós-modernistas
para saber qual grupo oprimido será eleito e promovido enquanto agente
potencialmente transformador, mas sim de reconhecer o locus de produção de todas as condições de opressão presentes no
capitalismo e, inevitavelmente, tal reconhecimento exige que nossa atenção
volte para a produção material da sociedade e lá o proletariado adquire
centralidade. Vejamos de perto o que essa constatação representa concretamente.
Em síntese a
centralidade do proletariado reside no fato do seu trabalho ser o único
componente que acrescenta mais-valor no processo de produção, ou seja, somente
com a força viva do proletariado é possível pensar num processo produtivo de
mercadorias que gere lucro. As duas principais classes sociais da modernidade –
burguesia e proletariado – ao se relacionarem na produção é que possibilita a
produção de mercadorias. E como essas se relacionam?
A burguesia que é detentora dos meios de
produção necessita da força de trabalho do proletariado que nada tem a oferecer
além dessa. A primeira investe em maquinaria, matérias-primas e tecnologia em
geral, isso equivale a custos iniciais que somente podem ser repassados sem
gerar, por conta própria, mais do que o valor gasto na sua aquisição. Já o
proletariado além de produzir o necessário para repor tais custos e seu
salário, produz um quanto superior, ou seja, mais-valor e aqui encontra-se a
chave da lucratividade capitalista. Portanto, podemos afirmar que o
proletariado representa o sujeito histórico potencialmente revolucionário uma
vez que, somente através da exploração do seu trabalho via extração de
mais-valor é que o capitalismo existe.
Além disso, somente
através da sua negação em manter-se como classe oprimida é que o capital se
encontra ameaçado. Assim, o proletariado possui uma centralidade na luta contra
as condições de opressão que atingem os seres humanos na modernidade, pois se
apenas com o seu trabalho existe capital, somente na negação de trabalhar,
realizando lutas contra a alienação e que apontam para a superação completa do status quo, é que o capital pode deixar
de existir juntamente com toda história de crueldade e subjugação que o
acompanha.
Para finalizarmos resta
sabermos se as características fundamentais, juntamente com algumas outras
características da modernidade, ainda estão presentes na contemporaneidade e se
estão qual é o sentido de afirmar a existência da pós-modernidade? Afinal de
contas tal período não deveria representar uma sociedade pós-capitalismo onde a
produção de mercadoria e a luta de classes não mais equivaleriam a seu
fundamento?
As décadas de 60 e 70
marcaram um período de crise de acumulação capitalista que obrigou a burguesia
e seus auxiliares a encontrar soluções para tal crise. A solução encontrada foi
o engendramento de um novo regime de acumulação denominado por uns de
“acumulação flexível” (Harvey, 2008) e por outros de “acumulação integral”
(Viana, 2009). Por uma questão conceitual, optamos pelo uso do conceito
acumulação integral visto que tal regime é marcado tanto pelo aumento da
exploração nos países imperialistas quanto nos países subordinados, tanto no
aumento da extração de mais-valor relativo quanto na extração de mais-valor absoluto,
ou seja, tal regime se afirma em um processo integral de acumulação. Essa busca
pelo aumento da taxa de exploração ficará conhecida como “reestruturação
produtiva” e terá no toyotismo a forma como o capitalismo se organizará para
extrair mais-valor na contemporaneidade.
A acumulação integral
realizada via organização toyotista do trabalho busca extrair mais-valor de
forma intensiva e extensiva e para isso promove uma intensificação do processo
de trabalho e um controle rigoroso sobre todo o tempo de trabalho, gerando mais-violência para o trabalhador. O
caráter central do trabalho na contemporaneidade é a superexploração marcada
pela intensificação do trabalho, pelo assédio moral, pela pressão psicológica,
pelo desenvolvimento da síndrome da culpa, síndrome do pânico, pelo estresse,
depressão, medo e várias outras formas de mais-violência derivadas do trabalho.
Em síntese, a
acumulação integral é resultado da luta de classes que ameaçou a continuidade
do regime de acumulação anterior (intensivo-extensivo) e representa uma
ofensiva do capital contra o proletariado e suas conquistas. No entanto, esse
processo é marcado também pela contra-ofensiva do proletariado e de outros
grupos sociais. Basta resgatarmos todas as lutas que emergiram nessa nova fase
tais como o movimento antiglobalização e sua expressão mais radical o Black Block, as lutas sociais contra a
implementação das medidas neoliberais e o descontentamento de jovens imigrantes
desempregados na França, o movimento zapatista e o episódio de Oaxaca no
México, a emergência dos movimentos piqueteiros e ocupação de fábricas na
Argentina e vários outros exemplos que marcam a nova dinâmica da luta de
classes na contemporaneidade.
Percebe-se então que
uma das características centrais da acumulação capitalista na contemporaneidade
(e não da pós-modernidade) estão fundamentadas nas mesmas bases da modernidade
(extração de mais-valor e luta de classes) e isso é suficiente para afirmar que
a pós-modernidade não passa de ilusão de uma ideologia estéril - tal ideologia
é, também, expressão da luta de classes nessa fase do capitalismo - que
interessa a quem detém o poder, pois “idéias
estéreis, podem gerar conservadorismo, imobilismo ou ações igualmente estéreis”
(Viana, 2009, p. 169). E, nesse sentido, Eagleton constata que “tudo
numa sociedade capitalista tem que ter sua razão e propósito – inclusive a ideologia pós-moderna”
(2005, p. 163 – grifos meus).
Referências
bibliográficas:
ARÓSTEGUI,
Júlio. A pesquisa histórica. Bauru, SP: Edusc, 2006.
BRAGA, Lisandro.
Acumulação capitalista e tendência à lumpemproletarização. Revista
Enfrentamento. Ano 04, número 09, jul./dez. de 2010.
EAGLETON, Terry.
As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
____. De onde
vêm os pós-modernistas? IN: Em defesa da História – Marxismo e pós-modernismo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
____. Depois da
teoria – um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Rio de
Janeiro: Civilização brasileira, 2005.
HARVEY,
David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
LYOTARD, Jean
François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
MARCUSE,
Herbert. Contra-revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
MARX, Karl &
ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
MARX, Karl.
Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
MULHERN,
Francis. A política dos estudos culturais. IN: Em defesa da História – Marxismo
e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
VIANA, Nildo.
Escritos metodológicos de Marx. Goiânia: Editora alternativa, 2007.
____. O que é o
marxismo? Rio de Janeiro: Elo, 2008.
____. O
capitalismo na era da acumulação capitalista. Aparecida, SP: Santuário, 2009.
____.
Modernidade e pós-modernidade. Revista Enfrentamento. Ano 04, número 06,
jan./jun. de 2009a.
WOOD, Ellen Meiksins.O que é a agenda
pós-moderna? IN: Em defesa da História – Marxismo e pós-modernismo. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
[1]
Doutorando em Sociologia/UFG e professor de Teoria Política na Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS.
[2] O termo
política empregado aqui é derivado da idéia de luta de classes em sentido amplo
e não no sentido comumente adotado que resume a luta política às lutas
parlamentares, eleitorais ou através de golpe armado visando à conquista do Estado.
Uma vez que, para Marx, o fundamental para a compreensão de uma sociedade são
suas relações de produção, logo este é por essência o local privilegiado da
luta de classes e todas as demais lutas políticas derivam daí.
[3] Trata-se
de uma pseudo-erradicação, pois todas as características existentes nesse
período e que serviram de base para afirmação da “erradicação” não existiam nos
países de capitalismo subordinado e não se sustentaram nos países
imperialistas. Com a crise do regime de acumulação intensivo-extensivo na
década de 70 e instalação do regime de acumulação integral, surge um amplo
processo de lumpemproletarização, derivado de um crescente aumento do
desemprego, o fim de inúmeras políticas sociais e a perda de vários direitos
sociais resultados da emergência do Estado Neoliberal em detrimento do
sucateamento do dito Estado do “bem-estar-social”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário