Música para o Espírito

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Bebês reborn - a mercantilização do "afeto" em uma sociedade adoecida


Em meio a uma sociedade profundamente marcada pela solidão, pelo individualismo e pela decomposição dos vínculos humanos, surge mais uma bizarrice sintomática: os bebês reborn. Bonecos hiper-realistas que simulam recém-nascidos e são tratados por adultos — muitas vezes mulheres — como filhos reais. Alimentados, vestidos, carregados em carrinhos, "criados" com o cuidado que a própria vida concreta já não comporta.
O fenômeno pode parecer banal ou até cômico à primeira vista. Mas sua existência e difusão revelam uma dimensão muito mais perturbadora: a completa instrumentalização do afeto e da carência humana. Em um mundo onde a vida é banal, os vínculos dissolvidos e a maternidade tornada impossível ou dolorosa por exigências econômicas e biológicas, o capital encontra uma nova mercadoria para vender: o substituto simbólico de um vínculo que ele próprio destruiu.

A espetacularização desses bonecos, promovida por influenciadoras digitais e canais sensacionalistas, transforma a dor e o vazio em entretenimento emocional. Trata-se de uma versão vulgarizada da maternidade: sem riscos, sem partos, sem noites em claro — apenas o simulacro do amor materno em forma de silicone e tinta.

O bebê reborn é, enfim, a caricatura do cuidado em tempos de abandono sistemático. Um sintoma, não uma causa. Mais um espelho de uma sociedade incapaz de oferecer humanidade real, mas que nos vende — a peso de ouro — sua imitação mais patética.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

HUMANISMO E UTOPIA EM A ILHA DE ALDOUS HUXLEY

 


REVISTA DESPIERTA 17:

HUMANISMO E UTOPIA EM A ILHA DE ALDOUS HUXLEY

Lucas Maia

A utopia abstrata de Huxley tinha que acabar assim: a) com o fim da Pala utópica; b) com a proposição da verdade transcendental como verdadeira resposta ao drama humano na terra; c) mais do que uma fé no futuro humano realizado, plenificado, sua utopia abstrata revela um desespero ou descrença na possibilidade de edificação de um verdadeiro “céu na terra” e, de certa forma, uma impotência diante do capital e do Estado; d) o fim da Pala utópica é a anti-utopia do capital: modernização, indústria, militarismo, golpe de Estado, petróleo, comércio, cobiça, competição, ganância etc.; e) a cena final é desesperadora, termina com um golpe de Estado, mas é também reveladora: a verdade está na vida e na prática transcendental, no desapego. O que é também desesperador do ponto de vista político; f) No fim, de alguma forma, o que nos ensina A Ilha de Huxley, é que uma verdadeira utopia concreta, para lembrar a terminologia blochiana, não pode ser numa ilha isolada do mundo, tem que ser global. Ou seja, a Utopia de Morus, a Cidade do Sol de Campanella, A Nova Atlântida de Bacon, a Icária de Cabet, o Eldorado de Voltaire etc. foram possíveis em seu tempo. Desde que o capital se tornou esta realidade global, qualquer utopia, para ser concreta, deve partir da superação do isolamento insular.

Considerações finais

À guisa de conclusão, diria que a utopia de Huxley é uma das melhores já escritas, como, de resto, é a maioria de seus escritos. É uma utopia profunda, filosoficamente desenvolvida, descreve a vida humana de modo intenso e não caricatural. Sua fé na vida melhor, feliz, realizada, bem como sua erudição e sensibilidade literária levaram sua obra a níveis bastante elevados. Contudo, sua má compreensão do marxismo (como utopia concreta), sua desconsideração pelos processos sociais reais, a luta de classes, como forma de consecução de uma verdadeira utopia, bem como seu misticismo acabaram por conduzir A Ilha aos tão limitadores horizontes de uma utopia abstrata.

Em: https://redelp.net/index.php/rd/article/view/1579




sexta-feira, 17 de maio de 2024

ANTICAPITALISMO OU LUTA CULTURAL PROGRESSISTA? UMA CRÍTICA A ERIC OLIN WRIGHT



LISANDRO BRAGA

A ideia central que pretendemos desenvolver é a seguinte: a pré-condição para Eric Olin Wright (2012, 2019) “inovar” no suposto campo da estratégia socialista de transformação social, e até mesmo regressar ao socialismo pré-marxista, é a de ocultar o próprio Marx e toda sua elaboração e contribuição teórica (teoria da consciência, teoria da revolução social proletária, teoria das classes sociais, teoria do mais-valor e da dinâmica social capitalista etc.) dificultando assim, evidenciar que suas teses são, quando muito, pseudomarxistas e converge com os interesses do bloco progressista que passa, fundamentalmente, pelo fortalecimento da democracia burguesa, pela conquista do poder estatal (partidos de esquerda) através do sistema eleitoral para tornar regular o capitalismo neoliberal, mas com discurso neopopulista (igualdade, democracia, cidadania, solidariedade) e microreformismo estatal neoliberal (distribuição de renda básica, cooperativismo, empreendedorismo etc.).

Nesse sentido, é pré-condição ocultar a perspectiva do proletariado e seu signo revolucionário: a autogestão social. Wright (2019), assim como tantos outros na contemporaneidade (HOLLOWAY, 2003; HARVEY, 2004), são casos exemplares dessa ocultação e deformação. Para isso recuperaremos o significado marxista de revolução social no capitalismo, bem como demonstraremos que esse foi ocultado e deformado ao longo do século XX, e segue tendo muitas contribuições para a reprodução dessa ocultação e deformação na contemporaneidade, inclusive na própria obra de Eric Olin Wright. Essa prática da intelectualidade não pouco despropositada, visto que é realizada por intelectuais amplamente renomados, reconhecidos e propagandeados como um dos “marxistas contemporâneos mais dialéticos”, “um dos mais importantes sociólogo marxista”, tal como Wright é denominado por outro renomado intelectual progressista (BRAGA, 2021), em uma renomada revista alinhada ao bloco progressista (JACOBIN, 2021), cujo editor também compartilha da mesma perspectiva (SUNKARA, 2021), publicado em grandes editoras (capital comunicacional) progressistas (BOITEMPO, 2019) no fundo, representa uma luta cultural implementada por intelectuais e instituições historicamente vinculadas e pertencentes a esse bloco social, quer dizer, atuando em defesa dos seus interesses políticos, acadêmicos, econômicos, partidários etc. no capitalismo contemporâneo. Essa é a tese que sustentaremos nesse artigo:

domingo, 17 de dezembro de 2023

SOCIOLOGIA e PSEUDOMARXISMO - IDEOLOGIAS BURGUESAS

 


Assim como a sociedade capitalista não emergiu “da noite para o dia”, pois precisou de um extenso processo histórico de constituição (três séculos aproximadamente), a episteme burguesa também não nasce pronta, uma vez que sua consolidação dependeu da consolidação da própria sociedade capitalista. Sua primeira fase de constituição foi elementar, porém, com a sucessão do regime de acumulação extensivo para o regime de acumulação intensivo (ORIO, 2020) a episteme burguesa ganha corpo e adquire uma forma mais desenvolvida.

Nesse mesmo regime de acumulação, emerge também o movimento revolucionário do proletariado e, por conseguinte, a constituição da episteme marxista. A existência dessa pressionará a burguesia a sistematizar uma política cultural antagônica à radicalização política dessa classe social e à episteme que a expressava teoricamente. Não gratuitamente, a maior obsessão da Sociologia (ideologia burguesa), tanto da clássica que nascia, quanto da contemporânea, foi e é a de promover uma desqualificação da suposta teoria marxista, suposta pois a academia mal conhece a produção teórica de Karl Marx, quando muito, o criticam através da leitura de suas caricaturas ideológicas pseudomarxistas ou de supostos críticos e seus mantras psittaciformes[1].

A episteme burguesa veio se constituindo historicamente, desde a emergência da classe burguesa no século XVI (Renascentismo), e consolidou seu primeiro paradigma nos fins do século XIX, com o desenvolvimento do positivismo. Apesar de suas bases serem oferecidas pelo iluminismo e pelo romantismo nas discussões mais abstratas, sua grande fonte inspiradora para o plano concreto foram as Ciências Naturais que, a partir de então, ganha grande credibilidade, status de conhecimento científico, reconhecimento intelectual, respeitabilidade, valores, interesses e disputas próprias da esfera científica (VIANA, 2019).

O positivismo hegemônico nas Ciências Naturais torna-se o “espírito da época” com seus campos mentais, axiomáticos, linguísticos, analíticos e seu modo subjacente de pensar próprio, que se propagandeará por um determinado tempo na sociedade capitalista. Para esse paradigma, o que conta é a ideia de positividade enquanto um saber científico objetivo (objetividade) e neutro (neutralidade) diante da realidade a ser investigada.

A partir do positivismo emergirá diversas novas ciências, tal como as Ciências Humanas no século XIX, que estabelecerá, em sua versão original e sociológica (Comte e Durkheim) uma unidade metodológica entre Ciências Naturais e Ciências Humanas. A força hegemônica do paradigma positivista no regime de acumulação intensivo não poupou nem mesmo aqueles intelectuais que passavam a se autointitular “marxistas”.

A ideologia pseudomarxista foi inicialmente sistematizada por Karl Kautsky (1854-1938), contudo o que um estudo pormenorizado da sua biografia, dos seus vínculos políticos (social-democracia), das suas influências intelectuais (Darwin, Henry T. Buckle, Andrew Lang, Engels[, todos positivistas e o último positivista e social-democrata), das suas próprias reflexões intelectuais e suas confissões apontam para uma constatação indubitável: Kautsky nunca foi marxista (MATTICK, 1988; MATHIAS, 1988).

O contato de Kautsky com o “marxismo” se dá mediado pela leitura de Engels (Anti-Dühring) e com uma forte influência do positivismo (cientificismo) em suas concepções intelectuais (PROCCACI, 1988). O aprofundamento no conhecimento da episteme marxista poderia ter levado Kautsky a romper com o positivismo. O problema é que a pré-condição para isso passaria por partir da perspectiva do proletariado, mas, não é o que ocorre, pelo contrário, a partir de seu revisionismo do “marxismo” (ideologia pseudomarxista), Kautsky produz uma ideologia que é expressão dos interesses de outra classe social, a burocracia em sua fração partidária social-democrata. Eis aqui la raison d’être da ideologia pseudomarxista.




[1] Conjunto de aves que compreende as espécies de papagaio, arara, calopsita etc., muito conhecidas por terem a capacidade de repetirem o que escutam frequentemente.


sexta-feira, 27 de outubro de 2023

EL NEOLIBERALISMO DISCRECIONAL DEL GOBIERNO DILMA (2015-2016)


 

Con las elecciones acercándose y la presión de sectores del bloque dominante exigiendo formas estatales neoliberales discrecionales, que apuntaban a una intensificación aún mayor de la ofensiva neoliberal en Brasil, el gobierno del PT apostó en el arte del disfraz haciendo propaganda de que, si Dilma fuera reelegida podría evitar el neoliberalismo discrecional que llamaba con fuerza a la puerta.

Pero, después de ser elegida con un pequeño margen de diferencia, Dilma Roussef se apresuró a quitarse el disfraz y comenzar la política de austeridad requerida por la desestabilización del régimen de acumulación integral brasileño. Un mes después de las elecciones, Dilma nombra a uno de los intelectuales (ingeniero y economista) neoliberales más ortodoxos del país (Joaquim Levy) para el Ministerio de Finanzas. La planificación de su política de austeridad estaba en marcha.

En 2015 el ministro Levy demostró para qué vino, presentando una propuesta de recorte presupuestario que restringió el mayor volumen de recursos en la historia del país. Su propuesta original era incluso más restrictiva que el recorte aprobado, es decir, un total de 70 mil millones de gastos no obligatorios: 25,7 mil millones tomados del PAC, 21,5 mil millones de enmiendas parlamentarias, 23 mil millones de otros gastos. Hubo recortes en todos los ministerios. Los más afectados fueron el Ministerio de Ciudades (17 mil millones), Salud (12 mil millones) y Educación (9,5 mil millones). El programa Minha Casa, Minha Vida (viviendas populares) perdió 7 mil millones.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

A PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS: A CONTRIBUIÇÃO DO GOVERNO LULA (2023)


            

A tão difundida palavra esperança, que apareceu em toda campanha eleitoral do governo atual, está prestes a se tornar desespero para muita gente, ou melhor, para as classes inferiores: em nove meses de governo, ao contrário do que seus entusiastas desejavam, a escalada repressiva continua progredindo em terras brasileiras.

            Já no primeiro semestre deste ano, especificamente no mês de abril, algo inimaginável até então ocorreu. Através de decreto presidencial (nº 11.498/2023), que se apresenta como “incentivadora de benefícios sociais”, possibilitou-se ao Estado realizar parcerias público-privadas (as famosas “PPP”) nas áreas de segurança pública e sistema prisional. Em termos práticos, o atual governo viabilizou a efetiva privatização dos presídios.

            Essa viabilização legislativa já permitiu a sua implementação ainda neste ano no presídio de Erechim/RS, que servirá como uma espécie de “projeto piloto”. No dia 06 de outubro, reunidos na Bolsa de Valores em São Paulo, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Estado do Rio Grande do Sul realizou leilão desta PPP no novo presídio de Erechim. O estado gaúcho arcará com a sua construção e estruturação, com gasto aproximado de 150 milhões de reais, entregando a gestão às mãos privadas pelo período de 30 anos. Como não poderia deixar de ser, o trabalho do preso será explorado[1].

            Essa não é uma novidade mundial. Em outros países, como os Estados Unidos, entregaram-se às empresas a gestão dos presídios e, para além do discurso ideológico da “ressocialização”, que serviu como discurso legitimante, constatou-se um encarceramento em massa sem precedentes naquele país, algo que potencializou o controle social das classes inferiores, transformando-o em lucro à burguesia (CHRISTIE, 1998).

A efetiva privatização dos presídios é algo que há muito tempo enfrentava uma resistência à sua implantação nacional. Nem mesmo os governos que discursavam abertamente neste sentido conseguiram avançar com tais propósitos. Diferentemente dos seus antecessores, o governo de Lula já sinaliza que usará (e muito) do aparato estatal para a repressão das classes inferiores. Com essa iniciativa, a ampliação da privatização dos presídios aos demais estados do Brasil é uma tendência evidente, algo que certamente contribuirá com maior nível de encarceramento.

Mudam-se governos, mudam-se governantes, revezam-se entre eles a esquerda e a direita, mas a essência continua a mesma: o Estado é um aparato privado do capital que, inclusive em épocas de ditadura burguesa velada (também conhecida como democracia), não abre mão dos seus recursos repressivos como uma das formas de regularização das relações sociais burguesas.

 Assina: Núcleo de Estudos sobre Capitalismo e Contestação Social/NECCSO - UFPR.

Referências:

CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime. Rio de Janeiro: Forense, 1998.



[1] Para maiores detalhes, conferir <https://estado.rs.gov.br/definida-empresa-que-sera-responsavel-por-ppp-de-presidio-em-erechim>. Acesso em 08/10/2023.