Escrito em 30 de junho de 2036
Caros estudantes,
Trago uma mensagem do futuro sobre o avanço
conservador que foi imposto sobre a sociedade e seus obstáculos a serem
enfrentados. Não apenas enfrentados, como também possíveis de serem revertidos
no presente momento em que escrevo essa carta, no qual descrevo brevemente
sobre o futuro desalentador que se concretizou, e depois realizo alguns
apontamentos para mudarmos a história humana no sentido de construir um novo
futuro, que ainda está por se realizar.
No pouco tempo que passou nesses últimos e esparsos
20 anos, a exploração na sociedade tem ampliado cada vez mais o controle e a
repressão para todos os setores da população sob um estado autoritário. As
escolas, em sua maioria, privatizadas, não mais permitem o pensamento crítico.
A censura está em todos os lugares, nas câmeras distribuídas nas salas de
aulas, e deixadas aos agentes do governo que cuidam da vigilância, anotando
cada passo dado pelos docentes em suas atividades. Os livros de humanidades
foram queimados ou apreendidos pelos agentes incineradores, rotulados sob uma
suposta propaganda de “comunismo cultural”; eles não são mais permitidos. As
universidades públicas se tornaram pólos industriais de pesquisa para as
empresas transnacionais, produzindo apenas técnicos especializados nas áreas
que produzem tecnologia e armamentos para as guerras entre as nações que vêm
acontecendo. Os cursos de humanidades (segundo o governo, ineficientes) foram
descartados e relegados a uma prática de um saber que qualquer pessoa pode
exercer.
E os estudantes, ah, pobres estudantes! Começam
desde cedo a aprenderem as normas dos colégios militares, separados em salas
que distinguem mulheres dos homens, tratados com práticas repressivas,
coercitivas e punitivas. A meta colocada é sempre a mesma: serem os melhores,
os vencedores; logo depois, são expostos em outdoors luminosos distribuídos nas
ruas com o slogan: “orgulho da nação”. Treinados a competirem uns com os
outros, não importa o quão isso possa ser prejudicial. Também sofrem
preconceitos por conta da sexualidade considerada “anormal” (setores dos grupos
cristãos neopentecostais formaram uma burocracia à parte no aparato estatal e
retrocederam os direitos às “minorias”), a cor da pele explicita o racismo e a
censura aberta também se impõe aos alunos mais “ousados” – dizem que são
aqueles “questionadores”. Não por acaso, as taxas de suicídio e a depressão têm
aumentado e começado cada vez mais cedo na população jovem.
*
Assim, o futuro parece ter encontrado o fim das
esperanças de um mundo melhor. Por isso, mando esse breve texto como um alerta
de um futuro que ainda não aconteceu. Explico melhor. Através do
desenvolvimento de pesquisas que ainda são possíveis por grupos marginais de
pessoas que ousam em desenvolver uma teoria revolucionária fora da censura e da
repressão estatal, conseguimos desenvolver uma cápsula do tempo, que permite
mandar mensagens do futuro para o passado, o que cria uma nova linha temporal,
permitindo uma nova chance de construirmos uma nova sociedade para a história
humana (A futura Comuna). Isto é, poderemos anular todo esse desenvolvimento
histórico que tenha ocorrido desde então. Caso possamos mandar essa mensagem
para o ano de 2016, todo esse tempo decorrido até então, em 2036, será anulado
e poderemos reiniciar uma nova linha temporal na história humana. Não resta
muito a explicar sobre isso, o que importa agora é a possibilidade de enviarmos
essa mensagem, que, no entanto, não pode ser muito longa devido à cápsula ser muito
pequena para guardar muitas informações.
Segue o aviso na cápsula com a mensagem que chegará
a algum estudante qualquer. Espero que a mensagem possa ser espalhada e auxilie
o movimento estudantil em suas tarefas com as novas possibilidades promissoras no
ano que conseguimos abrir uma brecha para enviar a cápsula.
*
Ao movimento estudantil, restam poucas alternativas
sobre a sociedade futura que por vocês será trilhada. Não terão muito a
escolher em suas vidas futuras quando serão adultos. Começarão a procurar um
trabalho (escasso) e provavelmente criarão as suas filhas, legados a um mundo
devastado ambientalmente, desertificado e desumanizado. O que tem acontecido
com a educação é o início de momentos mais amplos de um capitalismo mais
devastador em outras áreas da vida social. Portanto, deverão começar a refletir
e agir sobre os momentos de tensão política que estarão a irromper nesse
momento. Restarão poucas alternativas nos momentos turbulentos que estarão por
vir. Assim, a mobilização deve colocar como princípio a ocupação de cada espaço
da universidade, local de estudo e a mobilização de outros grupos sociais e
classes sociais exploradas para uma resistência imediata contra as medidas
sociais que visam a precarização do ensino público, entre outras. A luta
realmente será difícil, pois o momento em que o capitalismo atravessa está
começando a romper o seu ciclo de acumulação para crises mais drásticas – um
estado autoritário, relações de trabalho superexploradoras e guerras bélicas internacionais.
Sabemos que todo movimento social é permeado de
contradições, divergências e interesses incongruentes. Dentro dele mesmo, a
ampla maioria se opõe; não apenas se opõe como tenta na medida do possível
desmobilizar cada momento da luta. No entanto, os debates, atividades
culturais, aulas públicas, intervenções nos espaços de moradia, bairro e
familiar, entre tantas outras atividades que ocorrem em suas ocupações, servirão
como instrumento de mobilização fundamental para acumularem experiências nas
próximas lutas que acontecerão. Será necessário desestabilizar o espaço escolar.
Logo, romper com os estudos, disciplinas e rígida hierarquia docente que vocês
certamente presenciam a cada dia nesse ambiente em que passam a maior parte de
seu tempo: escola técnica, ensino médio, fundamental e universidade. A verdade
é que todos nós somos estudantes nessa sociedade em que vivemos. Afinal, quem
educa os educadores? Desde já precisarão constituir relações igualitárias,
horizontais e auto-organizadas para enfrentarem os desafios impostos pela
repressão. Não precisarão mais de intelectuais, burocratas e nem mesmo das
instituições (escolas, hospitais, universidades etc.) que só representam os
interesses do capitalismo decadente. Devem ter a consciência de que os sindicatos
não negociam nem mesmo a força de trabalho; simplesmente são máquinas
repressivas a serviço do aparato estatal, que impõe autoritariamente aos
trabalhadores e trabalhadoras (a maioria da sociedade) aquilo que só lhes
interessa: acumular riqueza através da exploração humana.
Também é necessário resistir e enfrentar todas as
adversidades dentro do movimento, entre estudantes que sabotam, docentes que
atrapalham, a polícia que reprime, partidos de “esquerda” e entidades
estudantis que cooptam e isolam a luta, burocratas que mentem, entre outros
problemas que constituem uma difícil tarefa, que a cada dia parecerá realmente
mais distante e difícil. No entanto, a transformação da sociedade deverá ser
radical, não importa o quão profundo isso seja.
E com ela sempre deverão manter a coerência entre os meios e os fins
desejados. Se quiserem uma sociedade livre, igualitária e verdadeiramente auto-organizada
socialmente, e não mais o totalitarismo que pode se realizar novamente, os
meios necessários para isso devem ser construídos a partir do presente momento
em que receberem o comunicado. Não é de maneira nenhuma legítimo a burocracia
sindical continuar a decidir entre quatro paredes, de maneira fechada e isolada,
ou mesmo conduzir as lutas sociais que estarão por vir, sem a participação
daqueles que mais interessam: movimento estudantil e classe trabalhadora. Nem
mesmo intelectuais que vos ensinam continuarem fechados em suas salas rodeados
por livros professando “teorias” que nada dizem respeito à sua realidade. É
necessário mudar essa “realidade” completamente apartada da verdadeira
realidade que a maioria das pessoas exploradas vive dentro da sociedade.
Tenham consciência de que a sociedade tão-somente
espera que vocês, jovens estudantes, sejam a futura força de trabalho qualificada
no mercado capitalista, futuros intelectuais, burocratas servos da máquina
estatal; desempregados vítimas da violência da polícia; futuros reprodutores
das relações mercantis da sociedade capitalista; futuros conformados com a
realidade existente; mas no meio de tudo isso, ainda resplandece ao movimento o
potencial de serem revolucionários e contribuírem com a transformação dessa realidade.
Não estou dizendo aqui que o movimento estudantil é revolucionário em essência,
ou desmerecer dessa maneira outros setores da juventude, e até mesmo, a aliança
com a classe fundamental (a única produtora de mais-valor), a classe proletária.
O problema é que dentro dos momentos de tensão política, será dado a vocês, movimento
estudantil, a chance de fazerem algo diferente, mesmo que no final seja o
prenúncio de uma derrota, com as propostas de austeridade do aparato estatal capitalista
sendo aprovados um a um. Os momentos que vêm ocorrendo com as ocupações serão
apenas o início, uma pequena ruptura mínima na rocha sólida do modo de produção
capitalista, um pequeno arranhão e brecha que estarão encontrando para fazerem
a longa revolução. Esta não acontecerá da noite para o dia, nem de um ano para
o outro. A mudança será um projeto que precisará ser consolidado aos poucos, e,
portanto, será preciso auto-formação, auto-organização e fundamentalmente um
projeto revolucionário contra tudo o que pertence a essa sociedade capitalista.
Aos poucos o horizonte apontado por esse projeto
começará a avançar pouco a pouco para a destruição da universidade, para assim
construírem um novo conhecimento; destruírem as instituições autoritárias e
hierarquizadas que dizem representar as pessoas, tais como partidos, sindicatos
e entidades estudantis, para assim forjarem relações igualitárias; destruírem o
estado capitalista, não apenas deixando que continue a se perpetuar aos poucos o
fim dos direitos sociais básicos conquistados historicamente, e legada de
geração a geração para poderem retirá-los em meses a serviço da classe
dominante e suas classes auxiliares; e finalmente destruírem as ilusões que não
permitem a consciência da exploração e miséria que “cega” as pessoas da
realidade ao redor, escondida sob as falsas sensações das drogas, consumismo,
misticismos e entretenimento fútil.
Tudo isso deverá se refletir em mais mobilização
estudantil dentro dos espaços de estudos, cada vez mais inserção das estudantes
na participação e decisão dos mesmos, servindo como um anúncio de um novo
futuro, em que finalmente poderão controlar suas vidas, desenvolver relações
autênticas e suas potencialidades artísticas, intelectuais, criativas e a
felicidade - sensações raras nessa sociedade que finalmente será a regra na
vida das pessoas, e não mais a tristeza, depressão e a infelicidade. Contudo,
nada mais restará a vocês do que conduzirem, decidirem e debaterem os rumos de suas
vidas de uma maneira radicalmente diferente. Instaurarem novas relações sociais
igualitárias, através de novas alternativas para um conhecimento que cada vez
mais se aproxime com a realidade das pessoas, e cada vez mais se distancie da
neutralidade e parcimônia das ideologias professadas pelos intelectuais, pretensamente
arrogante e autoritário sobre as classes pobres da sociedade. É nesse momento presente
e naqueles que se anunciam no futuro próximo que poderão fazer isso – e precisarão
pensar nesse projeto desde já. É realmente difícil, longo e um árduo trabalho
que terão pela frente, pois sabemos que carregamos em cada uma de nós as marcas
dessa sociedade, os equívocos, os problemas, os limites e dificuldades como
qualquer ser humano; ao mesmo tempo, nada nos restará a não ser sonhar e lutar
por um futuro melhor (e não mais esse futuro cruel que pode se realizar
novamente). É através da auto-organização, enfrentamento e da utopia concreta
(projeto revolucionário), que poderão criar condições para um futuro distinto
daquele que se realizou, e onde poderão viver um mundo melhor em que seremos
humanamente livres e iguais, assim como o conhecimento que estaremos propondo ensinar
às gerações futuras.
Com forte abraço de nossos sentimentos de esperança
que nunca deixarão de cessar,
- Grupo Utopia
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