MAIO DE 1968: MOVIMENTO
ESTUDANTIL E LUTA DE CLASSES
MAY 1968: STUDENT MOVEMENT AND CLASS STRUGLE
Lisandro Braga[1]
Resumo:
O presente texto discute o enfrentamento radical proporcionado por setores do
movimento estudantil, em aliança com setores revolucionários do proletariado, à
burocracia estatal, partidária e sindical que, auxiliando a burguesia, buscavam
tornar regular uma nova ofensiva capitalista, na França em fins da década de
1960. Para isso buscaremos compreender a dinâmica da luta de classes, naquele
episódio que ficou conhecido como o Maio
de 1968, à luz de uma teoria marxista das classes sociais, quer dizer,
levando em consideração o modo de vida das classes envolvidas nas lutas, os
interesses derivados desse modo de vida e as alianças e oposições que as
classes e grupos sociais estabeleceram com outras classes sociais. Dessa forma,
pretendemos demonstrar que a burocracia (estatal, sindical e partidária) é uma
classe social que auxiliou a dominação burguesa e, portanto, não contribuiu com
a revolução proletária, estimulada pela luta cultural de setores radicais do
movimento estudantil francês, pelo contrário, fez de tudo para impedir seu
avanço na direção autogestionária.
Palavras-chave: Regime
de acumulação. Luta de classes. Movimento estudantil radical. Contrarrevolução burocrática.
Abstract: This paper discusses the radical confrontation provided by the student
movement sectors, in alliance with revolutionary proletarian sectors, the
state, party and union bureaucracy, helping the bourgeoisie sought to make
regular new capitalist offensive in France in the late of 1960. For this we
will seek to understand the dynamics of the class struggle, that episode that
became known as the May 1968, the light of a Marxist theory of social classes,
that is, taking into account the way of life of the classes involved in fights
the interests derived from this way of life and alliances and oppositions that
classes and social groups have established with other social classes. Thus, we
intend to demonstrate that the bureaucracy (government, trade union and party)
is a social class that helped bourgeois rule and therefore did not contribute
to the proletarian revolution, stimulated by cultural struggle of radical
sectors of the French student movement, on the contrary, He did everything to
prevent their advance in self-managed way.
Key words: Accumulation regime. Class struggle. Radical student
movement. Against bureaucratic revolution.
Acumulação Conjugada e Luta de
Classes
A luta de
classes perpassa todas as relações sociais da sociedade capitalista, ela está
presente tanto no modo de produção, quanto na sociedade civil[2], nas relações de
exploração internacionais e no estado, isto é, nas formas estatais de
regularização das relações sociais capitalistas. No entanto, as formas
fundamentais da luta de classes no capitalismo são encadeadas no modo de
produção e na sociedade civil. No caso da primeira, trata-se da luta travada no
processo produtivo, que no capitalismo equivale à produção capitalista de
mercadorias, produção de mais-valor. Nessa luta, o que está em jogo é o
controle sobre o tempo de trabalho, pois à burguesia interessa ampliar o tempo
de trabalho destinado à produção de mais-valor, enquanto para o proletariado
interessa a diminuição desse tempo, que é o mesmo que ampliar o tempo de
trabalho destinado ao seu salário, à melhoria do seu consumo, à sua qualidade
de vida etc.
No fundo,
trata-se de interesses inconciliáveis, pois se de imediato interessa ao
proletariado apenas melhorar sua condição de existência, diminuindo a
quantidade de sangue sugada pelo vampiro capitalista, em outros diversos
momentos dessa história seu interesse apontou para a superação dessas relações
sociais (a destruição completa do vampiro), visto que essas classes se
enfrentaram violentamente em distintas ocasiões, e tal enfrentamento gerou e
gera alterações, tanto no âmbito da produção, quanto no das formas de
regularização das relações sociais. Em momentos de radicalidade, esse
enfrentamento ameaçou concretamente a sociabilidade burguesa que se viu
suplantada em alguns espaços sociais (fábricas, universidades, bairros, cidades
etc.) por novas formas de regularização social, típicas de uma nova
sociabilidade, nascida da luta de classes: os conselhos operários e sua prática
autogestionária. Essa é uma tendência histórica revolucionária, presente em
todos os regimes de acumulação.
Na sociedade
civil a luta de classes se expressa nas lutas culturais no interior das
instituições burguesas, tais como na universidade, nos movimentos estudantis em
geral, nos bairros, na vida cotidiana das cidades e do campo, nos movimentos
sociais, nos coletivos políticos revolucionários etc. Tais lutas não se
restringem às lutas políticas institucionais, majoritariamente não se
direcionam a conquista do poder do estado e nem por isso deixam de expressar a
luta de classes na sociedade civil. A insistência da esquerda tradicional em
dirigir, a partir das instituições burguesas, tais como os partidos políticos,
essas lutas culturais na direção do estado revela que a mesma é “expressão dos
interesses de classes que a anima. Daí sua concepção de partido e consciência
exterior (leninismo, social-democracia), revelando sua vocação dirigista e
burocrática, expressão dos interesses de classe da burocracia” (VIANA, 2003, p.
66). A totalidade da luta de classes na produção e na sociedade civil são as
fontes de alterações nos regimes de acumulação.
O regime de
acumulação conjugado insurge no período pós-guerra e se sustenta até a década
de 1980. Foi composto pelo fordismo (processo de valorização), pelo estado
integracionista (forma estatal) e pelo imperialismo transnacional (forma de
exploração internacional). Enquanto o taylorismo expressou uma reação burguesa
à tendência declinante da taxa de lucro através da racionalização científica
(maior controle) do processo de trabalho, o fordismo foi expressão do
aprimoramento de algumas tendências tecnológicas e organizacionais, assim como
um aprofundamento do processo de racionalização do trabalho inaugurado por
Taylor, e uma busca de extração de mais-valor relativo via uso de tecnologia.
Deste modo,
enquanto Taylor buscava aumentar a produtividade via
organização (controle e gerência) do processo de trabalho, Ford ia além e
buscava aumentar a produtividade com o uso de novas tecnologias que determinam
o ritmo e a intensidade do trabalho. Isto, sem dúvida, não só proporcionava e
incentivava a produção em massa, como exigia ela e não tinha aplicabilidade
fora dela, pois aumentava os custos de produção (derivado do uso de novas
tecnologias) e a tecnologia aplicada proporcionava a produção em massa, o que
inviabilizava seu uso em produção de pequena escala. A ampliação das empresas
oligopolistas era pré-condição para generalização do fordismo (VIANA, 2003, p.
71).
Concretamente,
não existem diferenças fundamentais entre o taylorismo e as demais formas de
organização do trabalho (fordismo, toyotismo e similiares), pois o que ocorre é
que essa foi a primeira estratégia do capital na batalha em torno do tempo de
trabalho produtor de mais-valor relativo e que serviu de fundamento para todas
as demais formas de organização do trabalho posteriores. Portanto, de acordo
com Neto
o fordismo caracteriza o que poderíamos chamar de
socialização da proposta de Taylor, pois enquanto este procurava administrar a
forma de execução de cada trabalho individual, o fordismo realiza isto de forma
coletiva, ou seja, a administração pelo capital da forma de execução das
tarefas individuais se dá de uma forma coletiva, pela via da esteira (1989, p.
36).
Essa forma organizacional do trabalho intensificava
os ritmos da produção e, por conseguinte, da exploração do proletariado,
abrindo brechas para uma maior mobilização, contestação e resistência dessa
classe social, e é por isso que ela precisou vir acompanhada de artimanhas para
impedir esses riscos no ambiente de trabalho. Para cumprir esse propósito foi
criado um sistema compensatório, com aumento salarial por aumento de
produtividade, que garantia a estabilidade na fábrica e servia de “incentivo
material” aos demais operários. A
ampliação dos gastos com salários e tecnologia era uma necessidade do fordismo
que exigia alterações nas relações de exploração internacional. Tais alterações
foram fornecidas pelos resultados da 2ª guerra mundial: o imperialismo
transnacional estadunidense (VIANA, 2003). A partir daí, os EUA passaram a se
comportar
como banqueiro do mundo em troca de abertura dos
mercados de capital e de mercadorias ao poder das grandes corporações. Sob essa
proteção, o fordismo se disseminou desigualmente, à medida que cada Estado
procurava seu próprio modo de administração das relações de trabalho, da
política monetária e fiscal, das estratégias de bem-estar e de investimento
público, limitados internamente apenas pela situação das relações de classe e,
externamente, somente pela posição hierárquica na economia mundial e pela taxa
de câmbio fixada com base no dólar. Assim, a expansão internacional do fordismo
ocorreu numa conjuntura particular de regulamentação político-econômica mundial
e uma configuração geopolítica em que os Estados Unidos dominavam por meio de
um sistema bem distinto de alianças militares e relações de poder (HARVEY,
2008a, 131-132).
De acordo com as conclusões de Viana,
aqui temos a razão de ser da expansão do fordismo: a
produção capitalista após 1945 visa conter suas contradições, buscando integrar
a classe operária no capitalismo e aumentando a produção dos meios de consumo.
A partir dessa época, os investimentos são crescentemente investidos na
produção de meios de consumo em detrimento da produção de meios de produção (o
que não significa, de forma alguma, que tenha diminuído os investimentos na
produção de meios de produção, mas sim que houve um deslocamento de
investimento para a produção de meios de consumo, o que significou um aumento
proporcional deste em relação à produção de meios de produção, que, caso não
ocorresse, geraria um ritmo ainda mais acelerado de desenvolvimento tecnológico
que aumentaria excessivamente a composição orgânica do capital (2003, p.
71-72).
Apesar da
“integração” da classe operária ao consumo, a contestação social da totalidade
da acumulação conjugada tendeu à ampliação e formação de um forte movimento
político-cultural de caráter internacional que, juntamente com a dificuldade de
conter as contradições essenciais do capitalismo, levou à crise desse regime de
acumulação[3]. No final da década de
1960 e início da década de 1970, tal regime de acumulação já apresentava sérios
sinais de esgotamento que foram ainda mais intensificados pela radicalização da
luta de classes, que atingiu diversos países, com destaque para o Maio de 68 francês.
Deste modo,
não tardou muito para que a luta de classes viesse a desgastar e comprometer a
manutenção do regime de acumulação conjugado em sua totalidade. Se por um lado,
para manter-se, esse regime de acumulação se viu obrigado a integrar parcela da
classe operária no mundo do consumo através de melhores salários, conquistados
a partir de um maior poder de barganha sindical, maior estabilidade no emprego,
seguridade social etc., por outro, uma parcela expressiva da classe operária se
via excluída de tais melhorias e passava a alimentar grandes descontentamentos
sociais (BIHR, 2010). Como evidencia Harvey (2008a), apenas certos setores da
economia e de certos países, imperialistas, diga-se de passagem, se
beneficiavam dos frutos da negociação fordista, outros vários setores se viam
excluídos e estavam submetidos a atividades de alto risco, baixos salários,
pouca garantia de estabilidade no emprego e quase nenhum “benefício fordista”.
Criava-se, portanto, uma “fórmula segura para produzir insatisfação”:
As desigualdades resultantes produziram sérias
tensões sociais e fortes movimentos sociais por parte dos excluídos –
movimentos que giravam em torno da maneira pela qual a raça, o gênero e a
origem étnica costumavam determinar quem tinha ou não acesso a emprego privilegiado.
Essas desigualdades eram particularmente difíceis de manter diante do aumento
das expectativas, alimentadas em parte por todos os artifícios aplicados à
criação de necessidades e à produção de um novo tipo de sociedade de consumo.
Sem acesso ao trabalho privilegiado da produção de massa, amplos segmentos da
força de trabalho também não tinham acesso às tão louvadas alegrias do consumo
de massa [...] O movimento dos direitos civis nos Estados Unidos se tornou uma
raiva revolucionária que abalou as grandes cidades. O surgimento de mulheres
como assalariadas mal-remuneradas foi acompanhado por um movimento feminista
igualmente vigoroso. E o choque da descoberta de uma terrível pobreza em meio à
crescente afluência [...] gerou fortes contramovimentos de descontentamento com
os supostos benefícios do fordismo (HARVEY, 2008a, p. 132).
As transformações nas relações de trabalho impostas
pela organização fordista do trabalho acarretou uma divisão na classe operária,
pois de um lado encontrava-se a camada de operários qualificados, que compunha
uma espécie de “aristocracia operária”, formada pela burocracia sindical,
integrada às concessões fordistas e que representava apenas seus interesses de
classe, do outro lado estava o crescente contingente operário composto pelos
trabalhadores desqualificados, obrigados a suportarem toda a exploração da
produção capitalista, praticamente excluídos das políticas integracionistas e
que, portanto não era representado pela burocracia sindical[4]. Percebe-se logo que, aproximadamente
entre 1945 a 1968, nos ciclos de constituição e consolidação do regime de
acumulação conjugado, as políticas de integração do proletariado ao consumo,
aliadas a integração dos partidos e sindicatos, juntamente com essas divisões
da classe operária, promoveu o recuo do movimento operário revolucionário. No
entanto, a partir do final da década de 1960 tal regime de acumulação ingressa
no seu ciclo de dissolução, experimentando diversas crises que, aliadas com o
retorno das lutas operárias e de outros grupos sociais com tendências radicais,
culminara com seu esgotamento e substituição pelo regime de acumulação integral
(VIANA, 2014).
Os Estágios das Lutas Operárias e
a Luta Cultural Estudantil
O regime de
acumulação conjugado vivenciou os três estágios das lutas operárias, assim como
de outras lutas sociais, conforme compreendeu Karl Jensen em seu artigo
intitulado A luta operária e os limites
do autonomismo (2014). Segundo esse autor, as lutas operárias e de outros
grupos sociais tendem a percorrer três estágios: o das lutas espontâneas, das
lutas autônomas e das lutas autogestionárias (revolucionárias).
No caso das lutas operárias, as lutas espontâneas
são aquelas praticadas cotidianamente no ambiente de trabalho e revelam uma
recusa do capital. Essas se manifestaram em diversas ações em toda a história
do capitalismo e no regime de acumulação conjugado não foi distinto. As formas
de valorização fordistas são caracterizadas por uma arrebatadora alienação do
trabalho que tendem a fazer com que o operário negue, sempre quando pode essa
exploração através do trabalho moroso, do absenteísmo, da sabotagem etc. e
passa a investir contra as mercadorias produzidas, contra as ferramentas e
maquinaria envolvida nesse processo exploratório, vendo nisso uma reação a tal
condição. Analisando esse período, Bihr revela que
esse tipo de revolta toma formas fundamentalmente
individuais (e mesmo individualista) e de algum modo defensivas, cujo
denominador comum é a fuga do trabalho e da produção: absenteísmo e turn-over[5]
crescentes, busca de “pequenos trabalhos” ocasionais, e até mesmo ruptura com a
condição de assalariado e volta às formas pré-capitalistas de produção (pequena
produção mercantil, artesanal e/ou agrícola). As reivindicações dominantes são
então as de autonomia individual e pelo fim do trabalho (2010, p. 60-61).
Nesse estágio
das lutas a recusa ao capital é realizada sem uma consciência revolucionária,
se restringindo a uma luta individual e cotidiana contra o capital (JENSEN,
2014). No entanto, as lutas operárias desse período não se limitaram apenas a
esse estágio, pelo contrário percorreram todos os outros. Passada a euforia com
as vantagens das concessões típicas desse período, a classe operária, formada
sob a vigência dos processos de valorização fordistas, se rebela e uma onda de
lutas operárias se desencadeia questionando toda a brutal alienação do trabalho
(heterogestão), expressa pelas relações de produção capitalistas:
formada no quadro do próprio fordismo, esta não
estava disposta a ‘perder sua vida para ganha-la’: a trocar um trabalho e uma
existência desprovidos de sentido pelo simples crescimento de seu ‘poder de
compra’, a privação de ser por um excedente em ter. Em poucas palavras, a se
satisfazer com os termos do compromisso fordista[6] concluído por sua
antecessora (BIHR, 2010, p. 60).
Juntamente com
isso, o capitalismo passa a experimentar sua inevitável crise de acumulação
provocada pela queda da taxa de lucro[7]. Queda essa que constrange
o estado capitalista a tomar uma série de medidas com o intuito de combatê-la,
o que remete ao aprofundamento dos processos de valorização (intensificação da
tecnologia na produção, maior disciplinamento da força de trabalho, perda
absoluta do proletariado sob o controle do seu trabalho, execução torturante de
tarefas cotidianas extremamente repetitivas etc.) e à redução dos investimentos
estatais, principalmente em políticas sociais e serviços públicos. Não
obstante, a efetivação de tais políticas - manifestação das contra tendências
capitalistas - consequentemente amplia o descontentamento social do
proletariado e, também, de outros grupos sociais que entram na luta. Esse é o
caso do movimento estudantil que, aliado ao proletariado, também protagonizara
episódios de grande radicalidade nas lutas sociais em alguns países europeus,
com destaque para a França.
A partir do final da década de 1960 as lutas
operárias ingressaram no seu segundo estágio, o das lutas autônomas. Duas
características essenciais dessas lutas são a ação coletiva (reuniões,
assembleias, panfletagem, piquetes, greves etc.) e a recusa da (falsa)
representatividade da burocracia partidária/sindical e suas práticas
reformistas e vanguardistas (leninistas). Nesse estágio
a consciência de classe, apesar de suas
contradições, já sabe que sua ação é uma recusa e a associação operária se
forma. Devido a isto, as lutas operárias autônomas significam uma prática
coletiva e contestadora que assume um nível de radicalidade elevado. Daí a
reação burguesa e burocrática, bem como o conflito e luta encarniçada, ou seja,
a radicalização da luta de classes (JENSEN, 2014, p. 07).
A greve geral[8] que assola a França nos
meses de maio/junho de 1968 e toda a dinâmica que as lutas operárias assumem
nesse contexto é uma expressão significativa desse estágio das lutas e de sua
imensa radicalidade. No entanto, é necessário compreendê-la inserida na
totalidade da luta de classes desse período, visto que a radicalidade das lutas
operárias foi, em determinada medida, impulsionadas pela radicalidade do
movimento estudantil e pela influência de suas lutas culturais[9] revolucionárias, junto a setores do
proletariado francês:
Para
muitos os dias de maio de Paris devem ter sido um acontecimento essencialmente
noturno: batalhas noturnas com a CRS (Companhia
Republicana de Segurança – A1), barricadas noturnas, debates noturnos nos
grandes anfiteatros. Mas este era apenas um lado da moeda. Enquanto alguns
discutiam até tarde da noite na Sorbonne, outros iam cedo pra cama, para
poderem distribuir panfletos pela manhã nos portões de fábrica e na periferia.
Panfletos esses que tinham que ser planejados, datilografados, reproduzidos, e
cuja distribuição tinha que ser cuidadosamente organizada [...] E não foi
pequena a sua contribuição para dar uma forma articulada à nova consciência
revolucionária [...] A ideia geral era estabelecer laços com grupos de
trabalhadores, por menores que fossem, que compartilhassem a visão
revolucionária-libertária desse grupo de estudantes. Após estabelecido contato,
trabalhadores e estudantes cooperaram na formulação conjunta dos panfletos[...]
Produzido um panfleto, ele seria então distribuído conjuntamente pelos
trabalhadores e estudantes do lado de fora da fábrica [...] O que era preciso,
nesse exato momento, era um rápido e autônomo desenvolvimento da classe
trabalhadora, a organização de comitês de greves eleitos que fizessem a ligação
entre os sindicalizados e não sindicalizados em todas as empresas e indústrias
em greve, reuniões regulares dos grevistas de modo que as decisões fundamentais
permanecessem nas mãos do trabalhador comum, comitês de defesa dos
trabalhadores para defender os piquetes das intimidações da polícia (relação comum entre piqueteiros explorados e
a repressão estatal), um dialogo constante com os estudantes
revolucionários com o objetivo de restituir à própria classe trabalhadora sua
própria tradição de democracia direta e sua própria aspiração à autogestão, que
foi usurpada pelos burocratas dos sindicatos e partidos políticos” (BRINTON,
2003, p. 63-66; grifo meu).
Uma multiplicidade
de determinações possibilita apreender as razões para a emergência de um
movimento estudantil com tendências radicais na França (assim como em diversos
outros países[10])
durante a vigência do regime de acumulação conjugado. Um conjunto de
acontecimentos históricos promoveu uma maior conscientização do movimento
estudantil em todo o mundo, dentre eles se destacam as guerras imperialistas
(Vietnã e outras ocupações na África), as lutas armadas contra as ditaduras
militares na América Latina, a luta dos negros pelos direitos civis nos EUA, a
revolução cultural na China etc. Juntamente com a consciência derivada desses
acontecimentos, os estudantes passaram a perceber a quem serve a educação
universitária, visto que o regime de acumulação conjugado exigia uma forma
educacional adequada tão somente aos desígnios da acumulação de capital e suas
formas de regularização, e por isso trataram de realizar uma crítica radical a
essa “sinistra conspiração” [11].
O estado integracionista francês havia
promovido uma expansão[12] do ensino superior em
todo o país objetivando proporcionar quadros especializados de mão-de-obra
adequada para a acumulação conjugada, isto é, um modelo de ensino cada vez mais
tecnicista e burocrático. No entanto, com a crise da acumulação conjugada, a
universidade francesa se vê atacada por uma série de reformas, com destaque
para o plano Fouchet e o V plano, que visavam à redução de custos e,
consequentemente, provocaram uma maior precarização da condição estudantil,
tais como perda de bolsas de estudo, falta de moradia universitária, restrição
de acesso via vestibular, redução do tempo para graduação, especialização
tecnicista etc. Aliado a essa condição estudantil precária, os jovens
estudantes ainda tinham que se preocupar com a ameaça do desemprego, o receio
de não se inserirem no mercado de trabalho, uma ressocialização e perspectiva
de futuro comprometida etc. (VIANA, 2014; 2015). Em síntese, motivos para a
contestação social juvenil/estudantil é o que não faltava.
Outra determinação de ordem cultural foi
decisiva para o avanço e radicalização das lutas estudantis e, posteriormente,
operárias. Trata-se da cultura contestadora já existente na sociedade francesa
e que foi amplamente recuperada e divulgada nesse contexto de contestação radical
da sociedade capitalista:
As teses de Socialismo ou Barbárie, da
Internacional Situacionista (especialmente a crítica do cotidiano e da
sociedade espetacular, a ideia de revolução total e dos conselhos operários),
de Henri Lefebvre (crítico da “sociedade burocrática de consumo dirigido”),
além das obras de Daniel Guérin, André Gorz, Jean-Paul Sartre (este com grande
influência direta no movimento estudantil), entre outros, inclusive que mais
tarde serão adicionados no bojo do próprio movimento (como é o caso de Marcuse
e da retomada dos pensadores anarquistas e comunistas de conselhos, bem como o
maoísmo com ares esquerdistas da época, devido influência da revolução cultural
chinesa), formam uma cultura contestadora que irá fornecer armas para um grande
contingente de estudantes radicalizados deste período. Dentro dessa cultura
contestadora, a ideia de autogestão estava presente em várias de suas
tendências, não só nos grupos políticos e suas produções culturais citadas, mas
em autores como Guérin, que buscava unir marxismo e anarquismo, André Gorz, que
inclusive previu em 1967 a rebelião estudantil no ano seguinte (GORZ, 1969) e
outros que pregavam a revolução total (LEFEBVRE, 1992; MARCUSE, 1999; DEBORD,
1997) [...] (VIANA, 2015, p. 14).
A
aliança estudantil/operária realizada com vigor pelos setores mais radicais,
tanto do movimento estudantil quanto do movimento operário, veio acompanhada
por uma dura oposição de classe: tanto a burocracia sindical da CGT (Central
Geral dos Trabalhadores) quanto a burocracia partidária do PCF (Partido
Comunista Francês) não via com bons olhos o desenvolvimento de um movimento
operário autônomo. É claro que isso se deve ao fato, como já mencionamos
anteriormente, de os interesses de classe do proletariado revolucionário não
coincidirem com os interesses de classe da burocracia sindical/partidária
(classes auxiliares da burguesia) e por isso tal classe social não mediu
esforços para tentar barrar[13] essa aliança ameaçadora
(BRINTON, 2003). A análise realizada por Thomas deixa claro o papel conservador
da burocracia (CGT e PCF):
Entre
maio e junho de 1968 o poder burguês francês sofreu uma das maiores
contestações de sua história: 10 milhões de operários, a grande maioria da
força de trabalho da França aderiu à greve geral e o movimento estudantil
enfrentava o regime nas ruas [...] O principal aliado de De Gaulle (presidente francês) na crise aberta com
a insurgência operária e estudantil foi nada menos que o Partido Comunista
Francês e a CGT, que se bem havia perdido toda autoridade no movimento
estudantil, conservava a direção dos principais batalhões do movimento operário
(THOMAS, 2008, p. 69; grifo meu).
A
percepção de que a burocracia é uma classe auxiliar da burguesia, aliada ao
avanço da consciência revolucionária, possibilitou uma radical contestação
dessas instituições burocráticas e abriu caminho para a busca de uma
alternativa, isto é, as lutas autogestionárias e sua utopia concreta: a
autogestão social (VIANA, 2014; 2015). Esse é o último estágio das lutas
operárias, estágio no qual o proletariado não apenas contesta e recusa a
burguesia e a burocracia como classe dirigente da sociedade capitalista, como
também assume o controle revolucionário da fábrica e da sociedade como um todo.
Nesse estágio se encontra presente a consciência e a ação revolucionária em
direção à construção da sociedade autogerida (o reino da liberdade) e nele
a recusa do capital e da burocracia vem
acompanhada pela associação coletiva que passa a autogerir as relações de
trabalho e o conjunto das relações sociais. O combate ao capital e ao estado é
acompanhado da consciência de que eles devem ser destruídos e que em seu lugar
somente a autogestão pode garantir novas relações sociais, igualitárias. Nasce
a consciência de um objetivo: a revolução social, o que pressupõe uma visão da
totalidade das relações sociais e da articulação do movimento operário no
sentido de generalizar o processo autogestionário. É imprescindível a percepção
disto, pois o comunismo, tal como colocou Marx, não surge da mesma forma que o
capitalismo, através do desenvolvimento da propriedade, e sim do domínio
consciente dos seres humanos sobre sua vida social, ou seja, sem consciência
revolucionária não é possível uma sociedade autogerida (JENSEN, 2014, p. 08).
Está claro para nós que o movimento
operário, bem como o movimento estudantil francês não é um todo homogêneo,
visto que somente alguns dos seus setores avançaram em direção à consciência e
prática revolucionária e não a sua totalidade. Contudo, tais setores atingiram
o estágio das lutas revolucionárias, visto que milhares de universidades e
fábricas estiveram sob o controle dos conselhos estudantis/operários, a ideia
de autogestão social ganhou terreno e suscitou um projeto autogestionário de
sociedade: “a contestação total gerou um projeto de transformação total”
(VIANA, 2015). Confirmou-se, assim, a tendência histórica do surgimento de
experiências comunistas embrionárias no regime de acumulação conjugado, pois a
França, mais uma vez, assim como na Comuna de Paris de 1871, esteve assombrada
e ameaçada pelo espectro da autogestão social (comunismo). De acordo com o
historiador João Alberto da Costa Pinto,
nunca uma potência capitalista estivera sob
ameaça tão grave de destruição de suas instituições políticas. Estudantes e
trabalhadores em voz uníssona recusaram-se durante mais de um mês a qualquer
diálogo com as representações políticas tradicionais nas negociações entre
capital e trabalho no capitalismo. Estudantes e trabalhadores generalizaram
aquilo que Karl Marx definia como o “poder social”, com a grande recusa do
movimento social as instituições capitalistas desabavam a olhos vistos na sua
completa vacuidade de sentido histórico. Nem partidos, nem sindicatos, nem o
parlamento ou qualquer outra agência governamental podia assumir-se como porta-voz
da colossal manifestação social que varria as ruas do país. Da comuna de
estudantes e trabalhadores definiram-se práticas sociais de novo tipo, de uma
solidariedade radical nunca antes vista nessa proporção e magnitude na história
das lutas anticapitalistas do século XX [...] O Maio de 1968 representa
fundamentalmente as possibilidades societárias da autogestão generalizada.
Representa, portanto, a luta pela supressão das práticas institucionais do modo
de produção capitalista pela organização social de práticas institucionais de
novo tipo, centradas na solidariedade dos trabalhadores, o poder político de novo
tipo nascido nessas práticas de recusa definindo-se como poder social. O Maio
de 1968 apontou como realidade concreta a sociedade comunista. Esse é o real
sentido histórico do Maio de 1968, não uma manifestação estudantil que explodia
contra as expressões formais da imaginação e da consciência alienada de
estudantes e trabalhadores na sociedade capitalista. Não foi apenas uma
“recusa” ou o “é proibido proibir” reclamado contra as instituições da
repressão social, o efetivo sentido histórico dos acontecimentos do Maio de
1968 deu-se pelas práticas cotidianas da auto-organização dos trabalhadores e
estudantes franceses como a negação absoluta do capitalismo
e a afirmação da materialidade concreta da ordem comunista (PINTO, 2008, p.
01-02).
Sabemos que o avanço da tendência
revolucionária depende de uma série de fatores, dentre eles, o essencial é a
generalização da autogestão social, o que depende da correlação de forças nos
enfrentamentos entre classes antagônicas, alianças duradouras entre classes e
grupos revolucionários etc. A contratendência é um fator importante e que
explica a dificuldade para generalizar a luta revolucionária, visto que a ação
de outras classes sociais, principalmente a repressão estatal, emperra o avanço
de tais lutas que, ao não se concretizarem, tendem a retrocederem para os
estágios anteriores (JENSEN, 2015). Foi
isso o que ocorreu em diversas experiências autogestionárias históricas,
inclusive no Maio de 68 na França, pois, do contrário, se as lutas operárias
como um todo estivessem atingido o estágio autogestionário, a Europa teria
experimentado uma revolução proletária, mas infelizmente esse, ainda, não foi o
caso.
Palavras
Finais
Uma
série de medidas foi tomada pela burocracia estatal em aliança com a burocracia
partidária/sindical (PCF e CGT, principalmente), dentre elas a que mais surtiu
efeito foi a de promover uma divisão do movimento operário para posteriormente
reprimir duramente seus setores mais radicalizados. Os primeiros dias de junho
de 1968 experimentaram verdadeiras batalhas campais nas ruas e nas fábricas
ocupadas e controladas pelos operários. A pujante resistência proletária, que
mesmo após sofrerem a desocupação das fábricas, por diversas vezes voltavam a
ser ocupada e auto-organizada pelos próprios operários, auxiliados pelos
estudantes, foi derrotada com o uso de um verdadeiro aparato de guerra,
contando com o uso de fuzis e granadas, visto que a repressão já não obtinha
resultado apenas com balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio. Muitos
foram os operários e estudantes que ficaram feridos, tiveram partes do corpo,
como mãos, pernas e pés arrancados pela explosão de granadas e vários outros
assassinados a tiros e houve até mesmo os que morreram afogados na tentativa de
fugir da repressão policial. Segundo Thomas,
naqueles
dias é que foram assassinados pelas mãos da polícia e das forças de repressão
Gilles Tautin, secundarista, que se afoga no Rio Siene, próximo da fábrica
Renault de Flins enquanto tentava escapar da polícia, Philippe Mathérion que
morre em uma barricada do Bairro Latino e Pierre Beylot e Henrin Blanchet,
operários da Peugeot em Sochaux. As jornadas do dia 11 e 12 são extremamente
violentas, tanto nas fábricas ainda em greve como no interior (THOMAS, 2008, p.
66).
Após o
esmagamento do movimento operário/estudantil francês o capitalismo retorna a
sua normalidade e um novo ciclo de refluxo da luta de classes se instala. Nesse
primeiro momento após o refluxo, houve um reforço da dominação capitalista que
fez surgir diversas iniciativas visando combater a crise de acumulação. Esse
foi o caso da Comissão Trilateral e suas recomendações. Essas representavam um
esforço tanto político-econômico quanto ideológico objetivando ofuscar as
verdadeiras pretensões dessa nova ofensiva capitalista que estava por vir e
suas previsíveis consequências para as classes exploradas de todo o mundo.
Apresentavam-se como projeto burguês para resolver a crise ainda no interior do
regime de acumulação conjugado, mas como isso não ocorreu, a solução concreta,
portanto passou pela construção de um novo regime de acumulação: o regime de
acumulação integral (VIANA, 2009). Contudo, é interessante perceber que o
conjunto de recomendações e medidas almejadas pela Comissão Trilateral já
continha os germes do que viria a constituir as formas do regime de acumulação
integral. Dentre muitas, as que mais se destacam é a que prevê o aumento
expressivo do lumpemproletariado (principalmente nos países de capitalismo
subordinado) e a necessidade de um estado policial repressor[14]:
quanto
mais a erradicação da pobreza for relegada a um futuro indefinidamente
longínquo, mais se considerará a repressão política como uma tarefa de longo
prazo. Porque só a repressão política é que permite uma longa convivência com a
pobreza. O Estado-Nação anterior é assim substituído pelo Estado autoritário
policial [...] Por conseguinte, começa-se a falar de uma “nova democracia”, que
é simplesmente a declaração sistemática do fim da democracia liberal. A nova
democracia é o estado policial (HINKELAMMERT, 1979, p. 103).
Parece-nos que a Comissão Trilateral estava
mais certa da necessidade desse estado policial nos países de capitalismo
subordinado[15],
no entanto a acumulação integral representaria também um aumento da exploração
e precarização do trabalho, do avanço da pobreza, da expansão do
lumpemproletariado e, consequentemente, das tensões sociais ainda nos países
imperialistas. A percepção posterior disso fez soar o alerta das autoridades
dos países imperialistas que, juntamente com o espectro da autogestão social
que assombrou a Europa no final da década de 1960, passou a fortalecer seus
aparatos repressivos, transformando-os em estados policiais violentíssimos. Eis
aqui uma prefiguração do estado neoliberal, mas essa já é outra história.
Referências
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de 68. Colóquio Internacional Maio 68. Instituo Franco-Português, Abril,
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Em: VIGNA, Xavier et al (orgs.). Cuando obreros y estudiantes desafiaron al
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OBS: Este artigo foi publicado originalmente na Revista Perspectivas em Dialogo - revista de educação e sociedade. Volume 03, número 05, ano 2016.
OBS: Este artigo foi publicado originalmente na Revista Perspectivas em Dialogo - revista de educação e sociedade. Volume 03, número 05, ano 2016.
[1]
Doutor em Sociologia/UFG, professor de Teoria Política na Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul e Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas América
Latina em Movimento/NEPALM.
[2] A
sociedade civil é entendida aqui como o
“conjunto das formas privadas de regularização das relações sociais. Em outras
palavras, além do modo de produção dominante e dos modos de produção
subordinados, temos as formas de regularização das relações sociais
(“superestrutura”), que podem ser divididas em formas estatais e privadas. As
formas estatais são constituídas pelo estado, pelas instituições estatais
(fundações, autarquias etc.), pelos seus aparelhos (jurídico, policial etc.)
por suas ideologias etc. enquanto que as formas privadas são a cultura, a sociabilidade,
as instituições civis (igrejas, partidos, associações, escolas, hospitais
etc.)” (VIANA, 2003, p. 82).
[3]
Para maiores detalhes da crise do regime de acumulação conjugado (para alguns,
regime de acumulação fordista) Cf. VIANA, 2009; HARVEY, 2008a; BIHR, 2007;
2010.
[4] Segundo
Pannekoek, e com nossa concordância, “[...] o seu novo modo de vida tende
a enfraquecer neles (nos burocratas sindicais – LB) essa tradição ancestral. No
plano econômico, já não podem ser considerados como proletários. Eles caminham ao
lado dos capitalistas, negociam com eles os salários e as horas de trabalho,
cada parte fazendo valer os seus próprios interesses, rivalizando do mesmo modo
que duas empresas capitalistas. Aprendem a conhecer o ponto de vista dos
capitalistas tão bem como o dos trabalhadores; preocupam-se com os ‘interesses
da indústria’; procuram agir como mediadores. Pode haver exceções ao nível dos
indivíduos, mas regra geral, não podem ter esse sentimento de pertencerem a uma
classe como têm os operários, pois que estes não procuram compreender nem tomar
em consideração os interesses dos capitalista, mas lutam pelos seus próprios
interesses. Por conseguinte os sindicalistas entram necessariamente em conflito
com os operários (1936, s/p).
[5] Trata-se
de um termo da língua inglesa que se traduz em “renovação”, “troca”, “reversão”
e que na linguagem administrativa da burocracia dos recursos humanos (RH) de
uma empresa representa a rotatividade de funcionários na empresa ou em
determinados setores da empresa, geralmente marcados por um trabalho
extremamente precário, como é o caso, por exemplo, dos trabalhadores de call centers e que revela a luta
espontânea e individual contra o trabalho alienado.
[6]
Destacamos que não há concordância da nossa parte com tal termo visto que para
nós o mesmo é ideológico (falsa ideia sistematizada sobre a realidade), uma vez
que não houve em momento algum qualquer “compromisso” ou “pacto” entre a classe
operária e a burguesia e/ou a burocracia estatal/sindical/partidária. Pelo
contrário, o que houve foi uma luta entre essas classes na qual a burguesia,
auxiliada pela burocracia sindical, impõe à classe operária as regras desse
novo regime de acumulação. No entanto, tais regras vieram acompanhadas de
algumas concessões ao proletariado com o intuito de evitar maiores
radicalização das suas lutas. Concessões essas, diga-se de passagem, que em
nada alterou a relação de exploração da burguesia sob o proletariado que se
fundamenta na extração de mais-valor, independente de aumentos salariais e
políticas sociais em geral. Sintetizando, o regime de acumulação conjugado
revelou, assim como os demais regimes de acumulação capitalista, uma
contraofensiva da burguesia que, nesse caso, contou com apoio dos sindicatos
que naquela conjuntura já eram instituições integralmente capitalistas.
[7] De
Acordo com Bihr, “a obtenção constante de ganhos de produtividade tem como
condição uma elevação da composição técnica do capital: da relação entre a
massa do trabalho morto (matérias-primas e meios de trabalho) e a do trabalho
vivo que ela mobiliza. Ora, se todas as outras coisas permanecem iguais,
qualquer elevação da composição técnica do capital tende a provocar uma
elevação da composição orgânica (da relação entre a massa do capital consumido
e o valor criado pelo trabalho vivo), mas também um aumento do capital fixo em
relação ao capital circulante e, portanto, uma diminuição da rotação do
capital, dois fatores que diminuem inevitavelmente a taxa de lucro” (2010 p.
70).
[8] Segundo
Thomas, “durante as semanas que se seguem a França estará completamente
paralisada por um movimento de 5 a 7 milhões de grevistas. Calcula-se que no
dia 17 (maio/1968) à noite 200.000
trabalhadores estão em greve. Ao meio dia do dia seguinte são um milhão, o
dobro pela noite, 4 milhões na segunda-feira dia 20 e mais de 04 milhões a
partir de quarta-feira” (2008, p. 56-57; grifo meu).
[9] Isso
comprova a tese de Viana segundo a qual “cabe aos revolucionários não se
omitirem e atuarem no sentido de reforçar a luta do proletariado. Para fazer
isso, existem as mais variadas formas, desde a produção e divulgação de ideias
revolucionárias; produção teórica e artística; ações políticas práticas, busca
de organização e trabalho coletivo visando constituir elementos para apoiar a
luta proletária, etc. Assim, um dos elementos fundamentais é a luta cultural
visando corroer a hegemonia burguesa e acelerar o processo de desenvolvimento
da consciência de classe do proletariado, efetivando a passagem da consciência
concreta para uma consciência revolucionária, mesmo que em círculos mais
restritos, e buscando sua expansão para círculos mais amplos. É neste contexto
que se coloca a questão da propaganda revolucionária e da propaganda
generalizada” (2007, p. 07).
[10] Esse é
também o caso do movimento estudantil estadunidense: Como afirma Bottomore,
“não admira que as ideias radicais tenham sido discutidas mais intensamente no
movimento estudantil e, uma vez que as organizações estudantis desempenharam um
papel ativo nos direitos civis, na luta contra a pobreza e no movimento
pacifista, suas ideias foram amplamente divulgadas [...] A revolta em Berkeley,
no outono de 1964, chamou a atenção para o movimento. Começou com as
reinvindicações estudantis relativas à liberdade de expressão no campus, mas logo incorporou problemas
muito mais amplos – a natureza da moderna universidade e suas relações com a
sociedade, bem como o lugar dos estudantes na universidade – tendo-se
comunicado agora, consideravelmente, a outras universidades nos Estados Unidos,
no Canadá e até mesmo na Europa. A ideia de universidade que os estudantes
atacaram e a que se opuseram foi a de ‘fábricas de conhecimentos’, na qual os
estudantes são trabalhados tão eficientemente quanto possível com o fito de
ocuparem carreiras na ordem social estabelecida externa à universidade [...] O
segundo problema levantado bastante insistentemente pelo movimento estudantil
foi o da organização e direção da universidade [...] Uma universidade é, ou
deve ser, uma comunidade de universitários. Como tal, deveria ser
auto-dirigida; e não governada de fora, pelos políticos, burocratas ou
empresários” (1970, 82-84).
[11] “Não é
acidental que a ‘revolução’ tenha começado nas faculdades de sociologia e
psicologia de Nanterre. Os estudantes viram que a sociologia que lhes era
ensinada era um meio de controle e manipulação da sociedade, e não um meio de
compreendê-la de modo a transformá-la. No decorrer eles descobriram a
sociologia revolucionária. Rejeitaram o nicho reservado para eles na grande
pirâmide da burocracia, o de ‘especialistas’ a serviço do poder tecnocrático,
especialistas do ‘fator humano’ na equação industrial moderna” (BRINTON, 2003,
p. 18-19). O
texto de João Bernardo intitulado Estudantes
e trabalhadores no Maio de 68, disponível em http://www.pucsp.br/neils/downloads/pdf_19_20/2.pdf, traz uma
grande quantidade de panfletos produzidos pelos estudantes radicais, nos quais
alguns destacam essa enérgica crítica ao modelo educacional capitalista francês
e que vale a pena citar o trecho de um longo panfleto dirigido aos
trabalhadores: “No ensino superior existem 10% de filhos de
operários. Será que nós lutamos para aumentar este número [...]? Seria melhor,
mas não é isso o mais importante. [...] Que um filho de operário possa
tornar-se director, não é esse o nosso programa. Queremos suprimir a separação
entre trabalhadores e operários dirigentes [...] Recusamo-nos a ser utilizados em
benefício da classe dirigente. Queremos suprimir a separação entre trabalho de
execução e trabalho de reflexão e de organização. Queremos construir uma
sociedade sem classes, e o sentido da vossa luta é o mesmo. [...] A forma da
vossa luta oferece-nos, a nós estudantes, o modelo da actividade realmente
socialista: a apropriação dos meios de produção e do poder de decisão pelos
trabalhadores. A vossa luta e a nossa luta são convergentes” (BERNARDO, 2008,
p. 25).
[12]“Tom Nairn diz
que de fins da década de 1950 aos fatos da comuna estudantil de maio de 1968 o
número de estudantes universitários franceses saltara de 170 mil para mais de
seiscentos mil, crescimento esse que não teve o mesmo acompanhamento na
construção de novos prédios e outras instalações que pudessem acomodar esse
crescimento numérico de estudantes. Só em Paris, essa massa estudantil chegava
a 182 mil pessoas. Nairn conclui que como corolário desse crescimento esses estudantes praticamente ficavam
impedidos de ter acesso a condições de estudo e manutenção adequada de sua
sobrevivência” (PINTO, 2008, p. 03).
[13] Vale a
pena conferir a obra Paris: Maio de 68
de Maurice Brinton, pois está repleta de relatos sobre as estratégias medíocres
da burocracia do Partido Comunista Francês e da burocracia da Central Geral dos
Trabalhadores que revelam seu conservadorismo e reacionarismo burguês. A
seguir, uma dessas passagens: “O respeito pelos fatos me obriga a admitir que
muitos grupos seguiram as ordens da burocracia sindical. As repetidas calúnias
ditas pelos líderes da CGT e do Partido Comunista produziram seu efeito. Os
estudantes eram chamados de ‘agitadores’, ‘aventureiros’, ‘elementos
suspeitos’. A ação proposta por eles ‘levaria apenas uma a uma intervenção
violenta da CRS’ (que se manteve totalmente fora de vista durante toda a
tarde). ‘Isso era apenas uma manifestação, não um prelúdio à Revolução’. Agindo
cruelmente na parte mais ao fundo da multidão, e atacando fisicamente a parte
mais à frente, os ajudantes de burocratas da CGT conseguem fazer com que a
maior parte dos manifestantes dispersem, muitas vezes sob protesto. Milhares
foram ao Champs de Mars. Mas centenas de milhares foram para casa. Os
stalinistas ganharam, mas as discussões iniciadas certamente irão repercutir
nos meses seguintes” (BRINTON, 2003, p. 41-42).
[14] Para
Andrew Young, ideólogo da Comissão Trilateral, isso estava muito claro, pois “o
desemprego e a repressão política são, certamente, parte de um mesmo problema
social” (Apud HINKELAMMERT, 1979, p. 103).
[15] Nos
países latino-americanos a construção do estado policial se deu através da
chegada de ditadores militares ao poder do estado e representou uma verdadeira
transição para os posteriores estados neoliberais que, após o fim das
ditaduras, mantiveram-se como verdadeiros estados policiais repressores. Esses
foram e continuam sendo os casos do Chile, Argentina, Brasil e vários outros.
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