Música para o Espírito

terça-feira, 21 de julho de 2015

NEOLIBERALISMO E CRIMINALIZAÇÃO DO LUMPEMPROLETARIADO NOS EUA

                                                                                             NEOLIBERALISMO E CRIMINALIZAÇÃO DO LUMPEMPROLETARIADO NOS EUA[1].
                                                                                                                                        
Lisandro Braga*

Toda forma estatal expressa determinada correlação de forças na luta de classes. O neoliberalismo é expressão de uma violenta ofensiva capitalista contra as classes trabalhadoras em geral e suas conquistas sociais históricas, visando proporcionar a retomada da acumulação capitalista. Dessa maneira, o Estado neoliberal se apresenta como um complemento de toda uma mudança estrutural, necessária para a emergência do novo regime de acumulação, atuando no campo da regularização das novas relações sociais imprescindíveis à efetivação da acumulação integral de capital e, conseqüentemente, da restauração do poder de classe da burguesia (VIANA, 2009).
Com a vitória de Ronald Reagan à presidência dos Estados Unidos em 1980, inicia-se a era da liberalização econômica, da desregulamentação dos mercados e das relações trabalhistas, dos cortes de impostos para as corporações capitalistas, cortes orçamentários públicos e dos ataques à classe operária e a outros trabalhadores em geral. Um caso exemplar dessa nova ofensiva do capital sobre o trabalho nos Estados Unidos pode ser percebida no duro golpe aplicado contra os sindicatos dos controladores de vôo (PATCO) no ano de 1981 e do impacto negativo que os salários sofreriam a partir desse ano. De acordo com Harvey, a derrota desse sindicato para Reagan, na greve de 1981, marcou
um ataque generalizado aos poderes do trabalho organizado no próprio momento em que a recessão inspirada em Volcker produzia altas taxas de desemprego (de ao menos 10%) [...] O efeito global sobre a condição do trabalho foi dramático – talvez melhor captado pelo fato de o salário mínimo federal, que era paritário ao nível de pobreza em 1980, ter caído para 30% abaixo desse nível por volta de 1990. Iniciou-se assim, com vigor, o longo declínio sobre os níveis dos salários reais (2008a, p. 34).
Para melhor compreendermos as lutas de classes como o motor propulsor das mudanças nas formas estatais e nas tentativas de reconstrução do poder de classe da burguesia e de suas classes auxiliares, nos Estados Unidos, resgataremos as batalhas urbanas dos anos de 1960 na cidade de Nova York e seus principais desdobramentos. Segundo Harvey (2008a), há décadas a reestruturação capitalista e o processo de desindustrialização vinha corroendo a base econômica de Nova York e promovendo um amplo processo de suburbanização e empobrecimento da população residente no centro da cidade. Em resposta a esse empobrecimento, uma onda explosiva de revoltas sociais dominou a cidade dando origem ao episódio que ficou conhecido como “crise urbana”. No primeiro momento, o governo federal procurou resolver a crise com a promoção da expansão do emprego e serviços públicos, no entanto diante das crises fiscais federais, o presidente Nixon se vê obrigado a abandonar essa prática sob a alegação de que o problema da “crise urbana” não mais existia. No fundo isso significaria que os recursos federais não mais chegariam à Nova York.
Com o avanço da recessão, as distâncias entre a receita e os gastos da cidade se ampliaram e no primeiro momento as instituições financeiras conseguiram contornar a situação, mas a partir de 1975, os principais banqueiros se recusam a rolar a dívida e Nova York foi à bancarrota técnica.  Após a bancarrota, diversas novas instituições foram criadas para administrar o orçamento da cidade e a maneira pela qual a mesma passou a ser administrada (congelamento de salários, cortes drásticos no emprego público e na manutenção de serviços sociais – educação, saúde pública, serviços de transporte – etc.) nos oferece um cardápio do receituário neoliberal que se tornaria dominante daí pra frente nos EUA:
a administração da crise fiscal de Nova York abriu pioneiramente o caminho para as práticas neoliberais, tanto domesticamente, sob Reagan, como internacionalmente por meio do FMI na década de 1980. Estabeleceu o princípio de que, no caso de um conflito entre a integridade das instituições financeiras e os rendimentos dos detentores de títulos, de um lado, e o bem-estar dos cidadãos, de outro, os primeiros devem prevalecer. Acentuou que o papel do governo é criar um clima de negócios favorável e não cuidar das necessidades e do bem-estar da população em geral. A política do governo Reagan nos anos 1980, conclui Tabb, foi “apenas o cenário de Nova York” dos anos 1970 “bastante ampliado” (Ibid, 2008a, p. 58).
Em poucos anos quase todas as conquistas da classe trabalhadora de Nova York foram destruídas, suas infra-estruturas sociais e físicas (metrô, por exemplo) foram sucateadas e a própria classe trabalhadora foi novamente lançada a uma condição de vida precária, quando não lumpemproletarizada[2]: reflexo da luta de classes marcada por uma contra-ofensiva do capital.
 Em nome dos “negócios favoráveis” a população pobre do centro de Nova York foi expulsa pela especulação imobiliária e obrigada a sobreviver da “economia ilegal das ruas” nos subúrbios, que passaram a experimentar um alto índice de desemprego, mortalidade juvenil, consumo de crack entre jovens desempregados, crescimento da população sem-teto e da criminalização da pobreza (HARVEY, 2008a). Dessa maneira,
a redistribuição de renda através da violência criminosa se tornou uma das poucas opções reais para os pobres, e as autoridades reagiram criminalizando comunidades inteiras de pessoas empobrecidas e marginalizadas. As vítimas foram consideradas culpadas e [Rudolf] Giuliani, o então prefeito, ficou famoso pela vingança que promoveu em favor de uma burguesia cada vez mais abastada de Manhattan, cansada de ter de enfrentar na porta de casa os efeitos dessa devastação (HARVEY, 2008a, p. 57-58).
A partir da década de 1970, e principalmente com a neoliberalização da economia norte-americana na década de 1980, as conseqüências sociais do que ocorreu em Nova York pôde ser percebida em diversas outras cidades do país, que passaram a conviver com altas taxas de desemprego, subemprego, trabalhos precários, salários-miséria, alto índice de criminalidade, tráfico de drogas e toxicomania juvenil, violência generalizada, crescimento do número de sem-tetos, mendicância etc. Percebe-se que sob a vigência do regime de acumulação integral[3], tais índices (anti)sociais não são mais exclusivos de países de capitalismo subordinado, mas passa a fazer parte também da realidade social de países de capitalismo imperialista tal como os Estados Unidos, que vem experimentando um processo de expansão da lumpemproletarização. As análises de Wacquant, assim como de outros autores[4], comprovam esse processo:
entre 1978 e 1990, o condado de Los Angeles perdeu cerca de 200 mil postos de trabalho, dos quais a maior parte era de empregos industriais sindicalizados e de salários altos, ao mesmo tempo que recebia um influxo de 1 milhão de imigrantes. Muitos desses postos foram perdidos para vizinhos de minorias na área de South Central e para comunidades de inner cities, onde programas e investimentos públicos estavam sendo simultaneamente cortados de forma drástica (Johnson et al.,1992). Como conseqüência, o desemprego em South Central ultrapassa 60% entre os jovens latinos e negros e a economia ilegal da droga tornou-se a fonte mais confiável de emprego para muitos deles (WACQUANT, 2005, p. 32).
A obra Cidade de Quartzo (1993), do geógrafo Mike Davis, fornece um quadro assolador sobre o abandono e miséria em que se encontrava a classe trabalhadora, formada majoritariamente por negros, nos subúrbios de Los Angeles a partir da década de 1970. Segundo Davis, entre 1978-1982 a economia industrializada de Los Angeles entra em colapso, pois não suporta a concorrência gerada pelas importações japonesas. Das doze maiores fábricas do setor espacial existentes na região da Califórnia Meridional dez se tornarão inativas a partir da concorrência asiática. Nas regiões onde as fábricas e depósitos não sucumbiram, foram transferidas, em número aproximado de 321 firmas desde 1971, para outros parques industriais com oferta de mão-de-obra mais atrativa. O resultado catastrófico para a população local foi apresentado por um comitê de investigação do Legislativo da Califórnia em 1982 que confirma “a destruição econômica resultante nos bairros do Centro-Sul: o desemprego cresceu em quase cinqüenta por cento desde o começo dos anos setenta, enquanto o poder aquisitivo da comunidade caiu em um terço” (DAVIS, 1993, p. 269). Com a chegada da década de 1980 é possível perceber uma escalada surpreendente da lumpemproletarização juvenil da população negra dos guetos de Los Angeles, pois
o desemprego entre os negros jovens do condado de Los Angeles – a despeito do crescimento regional ininterrupto e de uma nova explosão de consumo acelerado – permaneceu num assustador 45 por cento no decorrer dos anos oitenta. Uma pesquisa de 1985 sobre projetos de habitação pública no gueto descobriu que havia apenas 120 trabalhadores empregados em 1060 domicílios em Nickerson Gardens, setenta em quatrocentos em Pueblo del Rio, e cem em setecentos em Jordan Downs. A escala de demanda reprimida por empego manual decente foi vividamente demonstrada há poucos anos, quando cinqüenta mil jovens, predominantemente negros e chicanos, fizeram uma fila de quilômetros para se candidatar a umas poucas vagas na estiva de San Pedro [...] Correlacionada ao posicionamento periférico dos negros da classe trabalhadora na economia está a dramática juvenilização da pobreza entre todos os grupos étnicos do gueto. Em termos estaduais, a percentagem da pobreza dobrou (de 11 por cento para 23 por cento) em relação à última geração. No Condado de Los Angeles, durante os anos oitenta, tristes quarenta por cento das crianças viviam abaixo ou logo acima do limite de pobreza oficial. As áreas mais pobres do condado, além disso, são invariavelmente as mais jovens: de sessenta e seis domicílios do censo (em 1980) com rendas familiares médias de menos de 10 mil dólares, mais de 70% possuíam uma idade média de apenas 20-24 anos (o restante, 25-29). (Ibid, 1993, p. 270).
Realidade semelhante foi experimentada pelo “hipergueto” da cidade de Chicago nesse mesmo período. Além das razões fundamentais que levaram à transição do regime de acumulação intensivo-extensivo para o regime de acumulação integral, existem outras determinações específicas da realidade norte-americana e que explicam a expansão do lumpemproletariado na cidade de Chicago. Dentre elas, merece destaque a saturação dos mercados internos, a partir de meados da década de 1960, provocada pela competição internacional, pela busca por uma maior mobilidade do capital visando encontrar condições mais atrativas para o processo de acumulação, pela ampla redução de proteções aos assalariados etc. A partir do momento em que uma economia baseada na produção industrial, no consumo de massa e na existência de sindicatos fortes, que garantiam aos trabalhadores estabilidade no emprego, salários altos etc. foi sendo substituída por uma economia predominantemente apoiada nas ocupações de serviços, fundamentada no capital financeiro e no sucateamento das economias regionais, uma gigantesca transformação atingiu as relações trabalhistas, os mercados de trabalho e os níveis salariais (WACQUANT, 2005).
Por conta dessas mudanças no mercado de trabalho, juntamente com a política de extermínio generalizado de todo e qualquer tipo de assistência pública, as contradições sociais no gueto tem se ampliado rapidamente. O crescimento acentuado do desemprego e do subemprego tem sido acompanhado pelo aumento incrível da criminalidade, do assassinato e do tráfico e consumo de drogas. Isso tem promovido uma crescente fuga da “classe média”, que leva consigo as redes de comércio e parcela da renda que possibilitava uma movimentação econômica mínima na região. Dessa forma, o gueto tende a se tornar um espaço típico do “salve-se quem puder e da forma como puder”, pois,
além da economia da droga e do mercado informal – cujo desenvolvimento é visível em outros setores da economia norte-americana, inclusive os mais avançados – o coração do gueto assistiu a uma proliferação de pequenos ‘negócios’ subproletários [lumpemproletários, LB] típicos das cidades do Terceiro Mundo: comerciantes de rua, vendedores de jornais, cigarros ou refrigerantes por unidade, carregadores, manobristas, diaristas etc. Não existe área do South Side sem táxi clandestinos, mecânicas ilegais, clubes noturnos e meninos que oferecem para carregar sacolas na saída do supermercado local ou encher o tanque do carro no posto de gasolina, em troca de alguns trocados. Tudo pode ser comprado ou vendido nas ruas, desde bolsa Louis Vuitton falsificadas (a 25 dólares cada), até carros roubados, armas (trezentos dólares por uma ‘arma limpa’, em geral, ou a metade por uma ‘suja’), roupas com defeito, comida caseira e bijuterias. A economia dos jogos de azar – bingos, loterias, loto, jogos ilegais de cartas e dados – não conhece recessão” (WACQUANT, 2008, p. 42-43).
 Com o crescimento vertiginoso do desemprego e do subemprego, a partir da década de 1970, em várias cidades[5] dos Estados Unidos, outras frações do lumpemproletariado se expandiram por todo o país. Dentre elas ganha destaque a fração composta por sem-tetos. Um estudo realizado por Snow e Anderson (1998) nos possibilita apreender a expansão dessa fração do lumpemproletariado após a década de 1980, na cidade de Austin (Texas). A pesquisa demonstra que a partir dessa década, ocorre uma gigantesca proliferação de sem-tetos em quase todas as cidades norte-americanas. De acordo com o Exército da Salvação (Entidade cristã-protestante beneficente) de Austin, o atendimento a moradores de rua cresceu mais de 100% em 1985 se comparado com o ano de 1979 (SNOW & ANDERSON, 1998).
Que multiplicidade de determinações envolve o crescimento acelerado do número de sem-tetos em diversas cidades norte-americanas? Antes mesmo do regime de acumulação integral se tornar uma realidade nos EUA, já havia uma quantidade significativa de desempregados que sobreviviam, em grande parte, à custa de algum programa federal de assistência social. Isso possibilitava que essa fração do lumpemproletariado tivesse acesso há alguns bens básicos, tais como alimentação, moradia (de baixa renda) etc. e, conseqüentemente, isso camuflava e contornava esse problema social.  Porém, a partir da década de 1970 essa realidade já não é mais a mesma, pois junto com o crescimento acelerado de desempregados, o Estado Neoliberal irá promover um corte drástico em diversas políticas de assistência social, inclusive na diminuição da assistência à moradia:
o desaparecimento de quantidade cada vez maiores de unidades habitacionais de baixa renda – 2.5 milhões de unidades desde 1980, de acordo com algumas estimativas – pode ser atribuído essencialmente à conjunção de indiferenças governamental e de forças de mercado tais como o aburguesamento e o abandono. A primeira se refletia claramente na diminuição do apoio governamental a programas habitacionais para os pobres durante a administração Reagan. Quando as iniciativas habitacionais para todos os programas habitacionais de baixa renda do Housing and Urban Development (HUD) diminuíram de cerca de 183.000 unidades em 1980 para cerca de 28.000 em 1985, um observador argumentou que não apenas a administração Reagan estava declarando guerra contras os programas habitacionais para os pobres, mas estava também procurando reverter “o compromisso de 50 anos do governo federal para com esses programas” (SNOW & ANDERSON, 1998, p. 381).
Aliado a essa política de diminuição de investimentos federais em programas habitacionais para a população de baixa renda, outros fatores somam-se como determinantes no aumento da população de sem-tetos nos EUA. O grande número de desempregados nas principais cidades americanas, juntamente com o crescimento acelerado da pobreza nos EUA e das desigualdades sociais em geral[6], provocaram o aumento pela procura de habitações de baixa renda e, conseqüentemente, a diminuição da oferta desse tipo de habitação[7]. Esse conjunto de fatores, aliado ao boom do mercado inflacionário imobiliário de diversas cidades americanas, apertava ainda mais o cerco contra a população pobre, ampliando e muito o número de sem-tetos que passava a ocupar locais de maior visibilidade pública – parques, pontos de ônibus, porta de lojas, bares e restaurantes, banheiros públicos, bibliotecas etc. (SNOW & ANDERSON, 1998; DAVIS, 1993).
Outra determinação que contribuiu para a expansão do número de sem-teto é o crescimento elevadíssimo do subemprego nos EUA. Milhares de pessoas que foram atingidos pelo desemprego, geralmente quando retornam ao mercado de trabalho passam a receber salários menores do que os anteriores. Não é pequeno o número de salários abaixo do nível de pobreza oficialmente estabelecido nos país e que, portanto, obriga essa fração do lumpemproletariado a trabalhar em dois ou três subempregos, mas que, ainda assim, não consegue obter renda suficiente para pagar um quarto sequer para morar. Segundo a Coalizão Nacional para os Sem-Teto[8], em 1998 seria necessário um salário de 8,89 dólares por hora para pagar um quarto e sala. Outra entidade não-governamental (Centro de Preâmbulo para Políticas Públicas) estima que a possibilidade de um indivíduo assistido pelo seguro-desemprego encontrar um emprego que pague esse salário era de mais ou menos 01 chance em 97 (EHRENREICH, 2004). Isso sem contar o número de pessoas e famílias que moram nos seus próprios automóveis. Em sua obra Miséria à americana – vivendo de subemprego nos Estados Unidos (2004), Ehrenreich constata:
não consegui encontrar estatísticas sobre o número de pessoas empregadas que moram em carros ou vans, mas segundo um relatório de 1997 da National Coalition for the Homeless intitulado “Myths and Facts about Homeless” (Mitos e fatos sobre a falta de moradia), quase um quinto de todos os sem-teto, em vinte e nove cidades de todo o país, tem emprego em tempo integral ou meio expediente (2004, p. 36).
Assim como ocorreu nas principais cidades industrializadas do século XIX, a presença cada vez maior do número de lumpemproletários nos espaços públicos passava a gerar grandes incômodos às classes ricas de diversas cidades americanas, que buscou declarar guerra a tal presença. Diversas foram as armas e estratégias elaboradas pelo poder público e pela iniciativa privada, a serviço da propriedade burguesa e do seu conforto visual. Em Los Angeles, a forma encontrada para conter os sem-tetos foi confinando-os no submundo. Ao longo da Rua 50, a leste da Broadway, criaram-se uma verdadeira “favela a céu aberto” que, na década de 1990, representava um dos dez quarteirões mais perigosos do mundo (DAVIS, 1993):
nesta zona do submundo, todas as noites são sexta-feira 13, de modo nada surpreendente, muitos dos sem-teto tentam a todo custo escapar do “Nickle” durante a noite, procurando por malocas mais seguras em outras partes do Centro. A cidade em resposta aperta o laço com crescente intervenção da polícia e com engenhoso design urbano de vocação dissuasiva.
Um dos mais comuns, mas embrutecedor, destes estorvos é o banco de ponto de ônibus em forma de barril, que oferece uma superfície mínima para um sentar desconfortável, enquanto torna completamente impossível dormir sobre ele. Tais bancos “à prova de vagabundos” estão sendo amplamente introduzidos na periferia do submundo [...] restaurantes e mercados responderam aos sem-teto com a construção de ambientes cercados e ornamentados para proteger sua recusa. Embora ninguém em Los Angeles tenha ainda proposto colocar cianeto no lixo, como aconteceu em Phoenix há poucos anos atrás, um popular restaurante de frutos do mar gastou 12 mil dólares para construir uma lata de lixo definitivamente à prova de mendigos: ela é confeccionada com chapas de aço de 2 centrímentos de espessura e equipada com cadeados blindados e mórbidas pontas espetadas para fora, de modo a salvaguardar cabeças de peixe de preço inestimável em decomposição e batatas fritas bolorentas (p. 213-214).
Com o objetivo claro de evitar a presença do lumpemproletariado em algumas regiões da cidade de Los Angeles, os banheiros públicos, assim como as fontes de águas, utilizadas por sem-tetos para tomar banho, foram deliberadamente destruídos. Se comparada com outras cidades importantes de toda a América do Norte, Los Angeles era a cidade que possuía o menor índice de banheiros públicos na década de 1990. Diante de toda essa política repressiva, os lumpemproletários da “cidade dos anjos” foram transformados em espécies de “beduínos urbanos”,
visíveis em todos os lugares do Centro, empurrando seus poucos e patéticos pertences em carrinhos de supermercados roubados, sempre fugitivos e em movimento, espremidos entre a política oficial de conteção e o sadismo progressivo das ruas do Centro (Ibid, p. 215).
Uma das conseqüências sociais diretas e inevitáveis da promoção do Estado neoliberal é, sem sombra de dúvidas, o aumento das tensões sociais e da criminalidade derivadas dos cortes em políticas de assistência social, da diminuição drástica da oferta de empregos, dos salários-miséria, da fome, do desabrigo e da opressão em geral, tanto nos países subordinados, quanto nos países imperialistas. Por conta desse quadro é que esse Estado será caracterizado por uns como sendo “mínimo e forte” (Bobbio, 1998) e por outro como sendo uma espécie de “Estado Penal” (Wacquant, 2001), uma vez que o mesmo se vê coagido a dar uma resposta positiva (para os interesses das classes dominantes) ao espetáculo da insegurança social, à imundice visual causada pela presença do lumpemproletariado nos centros comerciais e à criminalidade crescente, através da expansão das práticas repressivas e do encarceramento em massa dessa classe social.
Nesse sentido, o Estado penal apresenta-se como um complemento nas mudanças das relações de trabalho contemporâneas, pois busca substituir as políticas sociais por medidas de criminalização do lumpemproletariado. Porém, ele deve fazer isto contendo seus próprios gastos e diminuindo a dívida pública, pois dessa maneira ele garante os interesses do capital oligopolista. Por outro lado, a miséria tende a aumentar, assim como o desemprego e a criminalidade, então o estado deve optar por aumentar o aparato repressivo ou ampliar os gastos sociais, mas faz opção pelo primeiro por ser menos dispendioso, ou seja, mesmo investindo em aumento da repressão – que não é tanto assim, já que em parte apenas aumenta o uso do aparato repressivo já existente, ao invés de políticas de assistência social e, ainda permite a ampliação do lumpemproletariado que barateia a força de trabalho em certos setores, diminuindo os gastos do capital.
É nesse contexto que surge em Nova York, e tende a se tornar uma prática mundial via importação, a política da “tolerância zero” e, juntamente com ela,
a retórica militar da ‘guerra’ e da ‘reconquista’ do espaço público, que assimila os delinqüentes (reais ou imaginários), sem-teto, mendigos e outros marginais a invasores estrangeiros – o que facilita o amálgama com a imigração, sempre rendoso eleitoralmente (WACQUANT, 2001, p. 30).
Loic Wacquant apresenta em diversas obras a absurda escalada do Estado Penal e sua prática de encarceramento em massa dos setores mais pobres da sociedade norte-americana, demonstrando uma íntima relação entre o neoliberalismo, a ampliação do lumpemproletariado e a expansão das práticas de criminalização dessa classe social no regime de acumulação integral. De acordo com Wacquant,
a reviravolta da demografia carcerária americana depois de 1973 será tão brutal quanto espetacular. Contra qualquer expectativa, a população penitenciária do país começa a aumentar em uma velocidade vertiginosa: fato sem precedentes em uma sociedade democrática, ela “dobra em dez anos e quadruplica em vinte”. Partindo de menos de 380 mil em 1975, o número de pessoas encarceradas beira os 500 mil em 1980. E continua a inchar no ritmo infernal de 9% ao ano em média (ou seja, 2 mil detentos suplementares por semana durante a década de 90, de maneira que em 30 de junho de 1997 a América contava com 1.855.575 prisioneiros, dos quais 637.319 nas casas de detenção dos condados e 1.218.256 nas prisões federais e estaduais. Se estivesse em uma cidade, a população carcerária estadunidense seria a sexta maior metrópole do país (2003, p. 57).


Expansão da população carcerária nos Estados Unidos (1975-1995)

    1975
    1980
    1985
    1990
    1995
Casas de detenção (cidades e condados)
138.800
182.288
256.615
405.320
507.044
Penitenciárias
Estaduais e federais
240.593
315.974
480.568
739.980
1.078.357
Total encarcerado
379.393
498.262
737.183
1.145.300
1.585.401
Crescimento em 05 anos
    -
   31,3%
  47,9%
   55,4%
   38,4%
Fonte: Bureau of Justice and Statistics, Correctional Populacion in United States, 1995, Washington, U.S. Government Printing Office, 1996: Jail and jail inmates 1993-1994, idem, 1994, apud WACQUANT, 2003, p. 57.

A emergência do regime de acumulação integral e de suas contradições/tensões sociais nos EUA provocou uma verdadeira ruína dos espaços sociais habitados pelo conjunto da população empobrecida, que foi a maior vítima de todas essas contradições/tensões, em especial o processo expansivo da lumpemproletarização[9]. Para milhares de pessoas a simples garantia da sobrevivência diária tornou-se uma verdadeira guerra cotidiana, pois marginalizados na divisão social do trabalho, estigmatizados pela cor da pele (o lumpemproletariado norte-americano é formado majoritariamente pela população negra) e pelo endereço residencial, essa classe social só consegue visualizar duas “opções” (WACQUANT, 2001, 2003, 2005, 2008): ou se submeter ao trabalho precário, temporário e de salários-miséria ou entrar para a vida bandida do tráfico de drogas e do roubo a mão armada, que apesar de altamente arriscado, tanto pelo conflito com a polícia quanto pelo conflito entre traficantes rivais, possibilita uma renda infinitamente maior que a do subemprego. A segunda opção tem sido, sem sombra de dúvidas, a principal “escolha” da maior parte da juventude lumpemproletária, habitante dos guetos norte-americanos, que a partir daí tem se tornado, conseqüentemente, a clientela favorita do sistema carcerário norte-americano:
evidencia-se imediatamente que o meio milhão de reclusos que abarrotam as quase 3.300 casas de detenção do país – e os 10 milhões que passam por seus portões a cada ano – são recrutados prioritariamente nos setores mais deserdados da classe operária, e notadamente entre as famílias do subproletariado de cor nas cidades profundamente abaladas pela transformação, que, reelaborando sua missão histórica, o encarceramento serve bem antes à regulação da miséria, quiçá à sua perpetuação, e ao armazenamento dos refugos do mercado [...] Conseqüência de sua posição marginal no mercado de emprego desqualificado, dois terços dos detentos viviam com menos de mil dólares por mês (e 45% com menos de 600 dólares), ou seja, uma renda inferior à metade do limiar de pobreza oficial para uma família de três pessoas naquele ano – isto embora dois terços deles declarem ter recebido um salário. É dizer que a grande maioria dos internos dos cárceres municipais provém seguramente das categorias dos “working poor”, esta fração da classe operária que não consegue subtrair-se da miséria embora trabalhe, mas que é mantida à distância da cobertura social porque trabalha em empregos de miséria: apesar de sua penúria pecuniária, apenas 14% recebiam uma ajuda pública (auxílio a pais desamparados, cupons alimentares, programa de assistência nutricional para as crianças) nas vésperas de sua prisão (WACQUANT, 2003, p. 33-34).
Toda essa bárbara situação em que se encontra a população lumpemproletária norte-americana revela no fundo a incapacidade do capitalismo de resolver suas próprias contradições. A própria expansão vertiginosa da população carcerária é expressão dessa incapacidade, pois, ao contrário do que diz a ideologia da “exclusão social”, essa massa de indivíduos que se encontram marginalizados na divisão social do trabalho não é resultado de uma forma política ineficaz de administração social e que, portanto, a solução para a exclusão social se dá com adoção de políticas públicas e sociais que garantam a inclusão ou com a construção de uma espécie de Estado Social, como sugere Loic Wacquant[10]. Pelo contrário, pois de forma geral nem sequer poderíamos afirmar que tal população, formada pelo lumpemproletariado, encontra-se excluída socialmente (algo impossível de acontecer), pois no fundo o capitalismo não sobrevive sem a totalidade do exército industrial de reserva, formado por essa classe social. Nesse sentido, é mais correto afirmar que o lumpemproletariado é parte integrante da sociedade capitalista, que definitivamente depende da sua existência para sobreviver, pois tal classe representa uma das alavancas fundamentais do processo de acumulação capitalista e, conseqüentemente, não pode ser abolida sem a abolição do capitalismo.
O que o Estado norte-americano vem tentando fazer é retardar ao máximo a ameaça gerada pelo crescimento generalizado do lumpemproletariado, criminalizando-o para não ter que ampliar seus gastos com assistência social e, conseqüentemente, emperrar o processo de acumulação capitalista. No entanto, com o crescimento vertiginoso dessa população e de sua criminalização, essa prática já não mais atende a expectativa de redução dos gastos públicos, uma vez que o orçamento carcerário vem atingindo cifras alarmantes[11]. Por isso, outro desafio se impõe à acumulação capitalista norte-americana: como combater as tensões sociais via encarceramento generalizado do lumpemproletariado, sem comprometer os cofres públicos? A resposta, ao que tudo indica, vem da privatização do sistema penitenciário e da transferência dos custos carcerários para o próprio preso ou sua família, como já vem ocorrendo em diversos estados, ou tornando o cárcere em uma indústria lucrativa que passa a ser cotada inclusive nas principais bolsas de valores norte-americanas[12].

Referências Bibliográficas:

DAVIS, Mike. Cidade de quartzo – escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Página aberta, 1993.
EHRENREICH, Barbara. Miséria à americana – vivendo de subemprego nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Record, 2004.
HARVEY, David. O neoliberalismo – história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
SNOW, David & ANDERSON, Leon. Desafortunados – um estudo sobre o povo da rua. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
____. O capitalismo na era da acumulação integral. Aparecida, SP: Idéias e letras, 2009.
WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
____. Punir os pobres – a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
____. Os condenados da cidade – estudos sobre marginalidade avançada. Rio de Janeiro: Revan/FASE, 2005.
____. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo, 2008.






















[1] Publicado originalmente na Revista Educação e Mudança, número 23, 2010.
* Doutorando em Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e professor de Teoria Política na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: lisandrobraga@hotmail.com
[2] Em nossa análise o lumpemproletariado é uma classe social composta pela totalidade do exército industrial de reserva (desempregados temporários e de longa data, mendigos, sem-tetos, subempregados, prostitutas pobres etc.).
[3]  Sobre o regime de acumulação integral Cf. (Viana, Nildo. O capitalismo na era da acumulação integral .  Aparecida, SP: Idéias e letras, 2009.
[4] Já no final da década de 1980 os Estados Unidos inaugura seus refúgios alucinógenos para a população lumpemproletária, espécie de “cracolândia norte-americana”: “No Condado de Los Angeles, onde a mortalidade infantil está em franca ascensão, e a rede de tratamento de traumas do Condado entrou em colapso, não é de surpreender que a assistência médica para os viciados em crack – que os especialistas concordam que exige um tratamento a longo prazo numa instituição terapêutica – geralmente não esteja em disponibilidade. Assim, a região do submundo, o pesadelo do “Nickle” no Centro, possui a maior concentração unitária de viciados em crack – velhos e novos, mas nem um único posto de tratamento. A rica Pasadena está enfrentando a atividade das gangues com base no crack, localizadas no seu gueto do Noroeste, com sua própria versão do HAMMER, inclusive com revistas humilhantes de desnudamento na rua e uma política de despejo de inquilinos ligados a drogas, sem gastar um só centavo em reabilitação de viciados. Os exemplos poderiam ser depressivamente multiplicados, à medida em que o tratamento para viciados é abandonado na mesma última gaveta que os preceitos liberais esquecidos, como o emprego para os jovens ou o aconselhamento para as gangues” (DAVIS, 1993, p. 278).
[5]  Apesar de termos utilizado apenas as cidades de Los Angeles e Chicago para demonstrar a expansão do lumpemproletariado via crescimento generalizado do desemprego, no regime de acumulação integral, outras pesquisas demonstram que o desemprego em massa tornara-se uma realidade nacional: “Um estudo que descobriu que 30% das fábricas existentes nos EUA em 1969 haviam fechado por volta de 1976, estimou que ‘fugas [transferências de fábricas para outros locais], encerramento de atividades, e cortes físicos permanentes beirando o fechamento podem ter custado ao país algo como 38 milhões de empregos’. Um outro estudo concluiu que mais de 16 milhões de empregos industriais foram perdidos entre 1976 e 1982 devido a fechamento de fábricas, e um exame congressual das conseqüências desse desemprego estrutural relatou que ‘nos últimos anos, milhões de trabalhadores americanos perderam seus empregos devido a mudanças estruturais nas economias norte-americana e mundiais. Alguns deles - especialmente trabalhadores mais jovens com qualificações em demanda ou com formação educacional certa – têm pouca dificuldade de achar novos empregos. Outros – centenas de milhares por ano – permanecem sem emprego por semanas ou meses, ou até mesmo anos” (SNOW & ANDERSON, 1998, p. 398).
[6] Segundo “os relatórios publicados pelo U.S. Bureau of the Census desde meados da década de 80 mostram um acentuado aumento da pobreza na América (Center of Budge and Policy Priorities, 1985, 1988) e uma onda de ‘desigualdade’ geral (Thurow, 1987)” (SNOW & ANDERSON, 1998, p. 378).
[7] “Os levantamentos sobre habitação do governo federal, os relatórios publicados por grupo de defesa dos moradores de rua e os pesquisadores de habitação independentes, todos, relatam praticamente a mesma conclusão: o estoque de habitação de baixa renda da nação foi liquidado ao longo dos últimos vinte anos. Só entre 1973 e 1979, 91% de quase um milhão de unidades habitacionais que eram alugadas por $ 200 por mês ou menos em toda a nação desapareceram do mercado de aluguel. Estima-se que, só na cidade de Nova Iorque, mais de 310.000 unidades habitacionais de baixa renda foram perdidas entre 1970 e 1983. Como essa dizimação do mercado de aluguel de baixa renda aumentou progressivamente ao longo da década de 80, a Nacional Coalition for the Homeless estimou que cerca de meio milhão de unidades de baixa renda estavam sendo perdidas anualmente por volta da segunda metade da década” (Ibid, 1998, p. 379).
[8] “A Coalizão Nacional para os Sem-Teto é uma rede nacional de pessoas, que estão experimentando atualmente a falta de moradia ou que já a tenham experimentado, ativistas, advogados e outros prestadores de serviços, baseados na comunidade e na fé, comprometidos com uma única missão. Essa missão, o nosso elo comum, é acabar com a falta de moradia. Estamos empenhados em criar as mudanças sistêmicas e atitudinais necessárias para prevenir e acabar com a condição de sem-teto. Ao mesmo tempo, trabalhamos para atender às necessidades imediatas das pessoas que estão atualmente na condição de sem-teto ou que correm esse risco. Tomamos como primeiro princípio da prática que as pessoas que estão experimentando atualmente a condição de sem-teto ou que já experimentou tal condição devem ser envolvidas em todo o nosso trabalho. Para este fim, a Coalizão Nacional para os Sem-teto (NCH – sigla em inglês para Nacional Coalition Homeless) se engaja na educação pública, defesa de políticas, e organizações de base. Focamos nosso trabalho nas seguintes quatro áreas: moradia justa, justiça econômica, saúde e direitos civis” (IN: http://www.nationalhomeless.org/about_us/index.html - tradução nossa).

[9] Loic Wacquant denominou esse processo de desertificação organizacional do gueto: “ao mesmo tempo causa e efeito da erosão do espaço público, o declínio das instituições locais (comércio, igrejas, associações de bairro e serviços públicos) chegou a um grau quase equivalente ao de um deserto organizacional. A origem da espantosa degradação do tecido institucional e associativo do gueto é encontrada, mais uma vez, no recuo repentino do Estado do bem-estar social, o que solapou a infra-estrutura que permitia às organizações públicas e privadas desenvolver-se e subsistir nos bairros estigmatizados e marginalizados” (WACQUANT, 2008, p. 39).
[10] Segundo Wacquant, discutindo a possibilidade do Estado Penal não se tornar uma realidade na Europa, tal como vem ocorrendo nos EUA, “para uma verdadeira alternativa que nos afaste da penalização (suave ou dura) da pobreza, é preciso construir um Estado europeu que seja digno desse nome. O melhor meio de diminuir o papel da prisão, é uma vez mais e sempre, fortalecer e expandir os direitos sociais e econômicos” (2008, p. 105). Tal afirmação revela os limites da análise do autor e sua visão fetichista do Estado, pois em momento algum de sua análise Wacquant apresenta a gênese e a determinação fundamental de toda essa complexa realidade contemporânea, ou seja, não analisa as necessidades atuais do regime de acumulação integral (Forma de valorização do capital expressa no toyotismo, forma estatal capaz de regularizar as relações sociais necessárias para tal valorização (neoliberalismo) e forma de exploração internacional  - neoimperialismo), nem tão pouco menciona que as contradições sociais que levam ao engendramento do “Estado Penal” resultam do predomínio da ofensiva capitalista sob a classe trabalhadora, localizando todas essas mudanças no campo da correlação de forças no interior da luta de classes na contemporaneidade.
[11] “Entre 1982 e 1993, os orçamentos das administrações penitenciárias aumentaram em 254%, enquanto as somas destinadas às funções de justiça em seu conjunto cresceram 172% e as despesas globais dos estados em 140%. Em fim de período, a América despende 50% a mais em suas prisões do que em sua administração judiciária (32 bilhões de dólares contra 21 bilhões), enquanto 10 anos antes as dotações das duas administrações eram similares (em torno de 7 bilhões cada uma). A função carcerária absorve hoje em dia um terço do orçamento da justiça contra um quarto na primeira metade da década de 80. As somas engolidas pelo país só para a construção de penitenciárias e cadeias disparam entre 1979 e 1989: mais 612%, ou seja, três vezes o ritmo de crescimento dos gastos militares em nível nacional, os quais, no entanto, gozaram de favores absolutamente excepcionais durante as presidências de Reagan e Bush. A construção de prisões conhece uma explosão tal que vários condados e estados se vêem às voltas com faltas de fundos para contratar o pessoal necessário para a abertura dos estabelecimentos que constroem. Foi assim na Carolina do Sul, em 1996, onde duas penitenciárias de “alta tecnologia” não puderam entrar em operação por falta de créditos necessários para cobrir suas despesas de funcionamento; ou em Los Angeles, onde a “casa de detenção do século XXI” ficou vazia durante um ano depois da construção” (WACQUANT, 203, p. 80-81).
[12] Ver Cf. WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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