Música para o Espírito

quarta-feira, 22 de julho de 2015

REPRESSÃO PREVENTIVA E SELETIVA NA ARGENTINA

Repressão Preventiva e Seletiva na Argentina
Lisandro Braga*
O propósito desse texto é discorrer sobre as múltiplas determinações que envolvem a tríplice lumpemproletarização[1]-criminalidade-repressão policial na Argentina contemporânea, dando destaque aos diversos casos de execução sumária efetuada pela polícia sob a alegação de disparo acidental ou morte oriunda do enfrentamento. Esses episódios ficaram denominados na Argentina de gatillo fácil e fazem parte da cotidianidade dos bairros pobres e das lutas sociais desse país há mais de duas décadas. Para compreendermos essa tríplice em sua totalidade social é necessário recorrermos ao processo histórico de construção de uma nova realidade socioeconômica e cultural, tanto em escala mundial, quanto em escala local. Acreditamos que essa nova realidade é assinalada pela constituição de um regime de acumulação integral, do Estado neoliberal que o acompanha e o torna regular e do neoimperialismo que busca universalizá-lo (VIANA, 2009).
Acumulação integral, repressão e criminalização da pobreza
O regime de acumulação integral é fruto da resposta capitalista à crise do final da década de 1960 e início da década de 1970 provocada pela tendência declinante da taxa de lucro e marcada pela radicalização das lutas estudantis e operárias na França, Alemanha e Itália, bem como pelo movimento de contracultura e pelo movimento pacifista nos EUA, que foram responsáveis por promover a primeira rachadura no regime de acumulação intensivo-extensivo que, já no início da década de 80, entra em colapso.
Com a contínua queda na taxa de lucro entre as décadas de 1960 e 1970, o capitalismo precisou encontrar soluções para a crise e isso levou à construção de um novo regime de acumulação[2] marcado, tanto pelo aumento da exploração nos países imperialistas, quanto nos países subordinados, tanto no aumento da extração de mais-valor relativo, quanto na extração de mais-valor absoluto. A constituição do regime de acumulação integral visando combater a tendência declinante da taxa de lucro entre as décadas de 1960 e 1970 vem acompanhada pela substituição do Estado do Bem-Estar Social pelo Estado Neoliberal que terá a função de criar as condições institucionais necessárias para ampliar a acumulação de capital via neoliberalismo e neoimperialismo (VIANA, 2009; BRAGA, 2012).
Para que a acumulação integral ocorra é necessário garantir que um amplo processo de mudanças seja colocado em prática no campo das relações de trabalho, marcado pela corrosão dos direitos trabalhistas, pela (in)flexibilidade no sistema produtivo que veio a provocar uma imensa precarização e intensificação do trabalho e um processo crescente de lumpemproletarização via aumento do desemprego e da consolidação de um modo de vida que tende a se consolidar às margens da divisão social do trabalho e, consequentemente, da miséria em escala mundial. De acordo com Harvey,
o mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis [...] Mesmo para os empregados regulares, sistemas como “nove dias corridos” ou jornadas de trabalho que têm em média quarenta horas semanais ao longo do ano, mas obrigam o empregado a trabalhar bem mais em períodos de pico de demanda, compensando com menos horas em períodos de redução da demanda, vêm se tornando muito mais comuns. Mais importante do que isso é a aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado [...] A atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número de trabalhadores “centrais” e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos quando as coisas ficam ruins (2008, p. 143-144).
O neoliberalismo complementa toda essa mudança estrutural regularizando essas novas relações sociais, necessárias à efetivação da acumulação integral de capital. Nesse sentido, ele é marcado por uma enorme contenção dos gastos públicos em políticas sociais em geral e por uma onda avassaladora de privatização de empresas públicas. Uma das consequências sociais diretas e inevitáveis da promoção do Estado neoliberal é, sem sombra de dúvidas, o aumento do desemprego, da pobreza e das tensões sociais derivadas dos constantes cortes nas políticas de assistências sociais, da privatização de empresas públicas acompanhada de demissões em massa, da diminuição drástica da oferta de empregos, da miséria, da fome e da opressão em geral. Conforme sintetiza Harvey, o neoliberalismo “acentuou que o papel do governo é criar um clima de negócios favorável e não cuidar das necessidades e do bem-estar da população em geral” (2008a, p. 58). Veremos mais adiante que isso se aplica perfeitamente à realidade argentina pós-década de 1990.
As mudanças no mundo do trabalho em países de capitalismo subordinado, tal como é o caso argentino, remete às discussões sobre o neoimperialismo, uma vez que coube a esse expandir para vastas regiões do globo a dinâmica da acumulação integral e suas consequências sociais. O regime de acumulação intensivo-extensivo, que antecedeu ao regime de acumulação integral, garantia uma relativa estabilidade no bloco dos países imperialistas graças à superexploração existente no bloco dos países subordinados, através de uma acumulação extensiva, transferência de mais-valor para os países imperialistas, endividamento externo, da “troca desigual” etc. Porém, a situação já não é mais a mesma visto que para garantir a reprodução do capitalismo na era da acumulação integral, que entra em vigor a partir da década de 1980, não basta aumentar a já intensa exploração no capitalismo subordinado. Portanto, para se manter o novo regime de acumulação necessita aumentar a exploração no bloco subordinado, que a partir da queda do capitalismo estatal russo se amplia com os países do leste europeu, mas também no bloco imperialista (VIANA, 2009).
É neste contexto que emerge também o neoimperialismo, isto é, o imperialismo da acumulação integral que tem como função promover de forma generalizada a acumulação de capital em todo o mundo. Segundo Harvey,
para que tudo isso ocorresse, era necessário, além da financialização e do comércio livre, uma abordagem radicalmente distinta da maneira como o poder do Estado, sempre um grande agente da acumulação por espoliação, devia se desenvolver. O surgimento da teoria neoliberal e a política de privatização a ela associada simbolizaram grande parcela do tom geral dessa transição (2011, p. 129).
 O neoimperialismo busca reproduzir o processo de exploração global através das relações internacionais, visando aumentar a exploração que, consequentemente, representa maior quantidade de mais-valor produzido e maiores transferências de valor dos países imperialistas para os países subordinados. Deste modo, há uma tendência em aumentar a já elevada taxa de exploração nos países subordinados. É nesse sentido que esses três elementos – acumulação integral, neoliberalismo e o neoimperialismo - cumprem seu papel ao promover uma corrosão dos direitos trabalhistas e estabelecimento de estratégias para promover o aumento da extração de mais-valor relativo (maior controle do trabalho, novas tecnologias etc.), uma vez que a extração de mais-valor absoluto já existe e tende a se ampliar.
A acumulação integral consolidou um quadro social alarmante para a classe trabalhadora em todas as nações em que ela se fez presente: imensa precarização e intensificação do trabalho, retorno de extensas jornadas de trabalho, lumpemproletarização, desemprego e subemprego em massa, ruína de diversos bairros populares, expansão da criminalidade, mendicância, prostituição, elevação do consumo e tráfico de drogas (principal “lazer” e “trabalho” da juventude lumpemproletária), práticas compulsivas de disciplinamento, controle e violência policial, criminalização da pobreza acompanhada de recordes absolutos de encarceramento etc (HARVEY, 2008, 2008a; VIANA, 2009; WACQUANT, 2001, 2003, 2008; GARLAND, 2008).

Lumpemproletazação, criminalidade e gatillo fácil na Argentina contemporânea

 Com o propósito de compreender a maneira pela qual se promoveu uma expansão da lumpemproletarização na sociedade argentina contemporânea acompanhada de uma grande radicalização das lutas sociais, da elevação significativa da criminalização da pobreza, da criminalidade em geral (delitos à propriedade, delitos às pessoas, roubo com armas, homicídios, sequestros extorsivos etc.) e da repressão e violência policial, recorreremos ao processo histórico de constituição dessa realidade. Para isso nos propomos a analisar nosso objeto de estudo (o gatillo fácil) à luz das transformações históricas constituintes de um novo regime de acumulação, nos termos definidos por Viana (2009).
Não obstante a Argentina tenha sempre pertencido ao bloco de países capitalistas subordinados na divisão internacional do trabalho, durante décadas preponderou um modelo de integração de caráter nacional-popular cuja máxima expressão foi a primeira fase do peronismo (1946-1955). Tal modelo se constituía de três grandes atributos: economicamente se fundamentava no desenvolvimento de seu parque industrial e na estratégia de desenvolvimento do mercado interno. Seu segundo atributo era caracterizado pela apresentação do Estado como amplo agente promotor da coesão social, através dos investimentos públicos, e da ampliação da cidadania. Por último, havia uma tendência em possibilitar uma maior incorporação de parcela significativa das classes trabalhadoras bem como uma expansão das classes auxiliares da burguesia (SVAMPA, 2010).
Todavia esse modelo começa a se deteriorar paulatinamente a partir da década de 1970, se aprofunda durante a década de 1980 e desmantela-se na década de 1990 com o menemismo (1989-1999). Vejamos como esse processo ocorreu e sua relação com o objeto central desse estudo.
A primeira tentativa em direção a uma mudança no regime de acumulação ocorre sob o governo de Isabel Perón (1974-1976) e ficou conhecido como “Rodrigazo”. Sob direção do ministro da economia Celestino Rodrigo buscou-se uma reorientação fundamental da economia que visava por fim a economia nacionalista e reformista, própria do peronismo, e promover uma política de estabilização e ajuste orientada por uma aliança com o empresariado. Dentre as consequências de tais políticas, uma se apresenta bastante antipopular: o aumento de 200% das tarifas dos serviços públicos. No entanto, essa tentativa encontrou grandes obstáculos nas resistências populares que promoveram uma greve geral decretada pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) que exigia o fim imediato do plano de ajuste.
A segunda tentativa na direção dessa reorientação econômica foi realizada pelo golpe militar de 1976. Assim como em outros países latino-americanos, a ditadura na Argentina tinha como finalidade reestruturar a economia segundo os interesses empresariais nacionais e internacionais e para atingir esse objetivo programava uma política de repressão terrorista. Conforme Svampa,
o objetivo da ditadura militar argentina foi levar a cabo uma política de repressão, ao mesmo tempo que aspirava refundar as bases materiais da sociedade. Em consequência, a característica introduzida foi dupla: por um lado, mediante o terrorismo de Estado, apontou para o extermínio e disciplinamento de vastos setores sociais mobilizados; por outro lado, pois em marcha um programa de reestruturação econômico-social que produziria profundas repercussões na estrutura social e produtiva (2010, p. 23).
Os resultados dessa reestruturação modificaria efetivamente a estrutura socio-econômica argentina uma vez que levou a cabo um modelo fundamentado na abertura financeira e na importação de bens materiais e capitais. Consequentemente tais medidas promoveram uma severa redução da industrialização nacional e proporcionou um imenso endividamento público e privado, perceptível no aumento incrível da dívida externa que passara de 13 milhões em 1976 a 46 milhões no ano de 1983. Além disso, a ditadura militar seria responsável pelo processo de deslocamento industrial, acompanhado de uma vasta expulsão de mão-de-obra, pela expansão do lumpemproletariado, pela contração da demanda interna, pela deterioração dos salários etc. Juntamente com isso a classe trabalhadora perdeu o direito a negociações coletivas, o que refletiu negativamente na distribuição de renda (SVAMPA, 2010).
Diante dessa nova realidade, nascia na Argentina uma sociedade lumpemproletarizada e atravessada por amplas desigualdades sociais. O país experimentava o declínio estrutural do modelo nacional-popular sem contar com nenhuma chave para reencontrar a integração social de amplos setores populares e auxiliares empobrecidos.  Segundo Kessler & Virgilio,
uma das conseqüências de grande peso econômico e sócio-culturais mais inesperadas que os setores médios têm sofrido na Argentina foi a de dar origem a um tipo de pobreza com traços particulares, uma vez iniciado o intenso processo de empobrecimento sofrido pela sociedade desse país. Basta dizer que entre 1980 e 1990 os trabalhadores em seu conjunto perderam em torno de 40% do valor de suas rendas, e logo após certa recuperação em 1991 devido à estabilidade, voltaram a perder em torno de 20% entre 1998 e 2001, com importantes oscilações até hoje. A profundidade e persistência da crise iniciada em meados da década de 1970 fizeram com que milhares de famílias de classe média e de pobres de longa data, que no passado conseguiam escapar da miséria, visualizassem suas rendas declinar abaixo da “linha de pobreza” (2008, p. 32).
A herança deixada pela ditadura militar foi um país extremamente endividado, governado de forma corporativa, afundado na corrupção administrativa e com uma tradição política autoritária e violenta. Em 1992 com a chegada de Carlos Menen à presidência consolida-se o colossal processo de neoliberalização da economia que se iniciara com os governos militares. O menemismo foi responsável por estabelecer uma nova aliança política no seio do Partido Justicialista – partido oficial do peronismo – marcada cada vez mais por um afastamento das burocracias sindicais – aliadas históricas – e por uma vinculação cada vez mais estreita com as grandes corporações empresariais desejosas de uma reforma estatal de cunho neoliberal.
A década de 1990 veria consolidar os planos de ajustes que vinha se constituindo desde a década de 1970 e que seria expresso em uma diversidade de medidas: estabilização econômica, liberalização da economia, plano de convertibilidade e reforma do Estado. Não nos deteremos nos detalhes dessas medidas, mas tão somente nas suas consequências sociais que, para os propósitos desse estudo, são de importâncias fundamentais.
Em linhas gerais o novo regime de acumulação (integral) caracterizou-se por um modelo de “modernização excludente” (BARBEITO & LO VUOLO apud SVAMPA, 2010), visto que na década de 1990, apesar do crescimento de 28% da População Economicamente Ativa, o desemprego cresce 153% e o subemprego 115,4%.  Tal modernização foi marcada por um incremento da produtividade com insuficiente produção de emprego e crescente precarização das relações de trabalho. Juntamente com isso, milhares de pequenas e médias empresas decretaram falência visto que as mesmas não se encontravam em pé de igualdade para concorrer com a invasão de produtos externos.

 Figura 01: Evolução do desemprego e subemprego na Argentina (1990-2002).









Fonte: Ministério do Trabalho, Boletim de Estatísticas Laborais, 2003. Em: www.trabajo.gov.ar Acessado em: 08/07/2012.
Outra exigência fundamental do novo regime de acumulação foi a reforma geral do Estado. Essa foi caracterizada por uma drástica redução dos gastos públicos, descentralização administrativa, transferência das responsabilidades públicas para iniciativas privadas e gigantesca privatização de empresas estatais. Essa última revela a estreita relação entre a construção do Estado neoliberal argentino e os interesses do neoimperialismo, uma vez que quase todos os serviços básicos e essenciais à sociedade argentina se encontrarão, a partir daí, nas mãos de corporações estrangeiras com plena liberdade para elevar as tarifas de tais serviços (eletricidade, fornecimento de água, telefonia, gás, transportes públicos, combustíveis etc.).
Seguindo as análises de Maristella Svampa (2010) é possível perceber o forte impacto negativo nos empregos públicos, derivado do processo de desmantelamento das obrigações do Estado, a partir das privatizações dos principais serviços estatais:
Em cifras absolutas, se considerarmos somente as setes empresas mais importantes do setor (telefonia, correios, transporte aéreo, gás, água, energia e transporte ferroviário), até 1985 havia 243.354 funcionários do setor público. Em 1998, haviam reduzidos a 75.770. No geral as demissões massivas se combinarão com planos de demissão mais ou menos compulsivos, implementados em um lapso muito breve, durante o período prévio da privatização, quando as empresas eram declaradas “sujeitas a privatização”. Dessa maneira se habilitavam planos draconianos de racionalização, em mãos de todopoderosos interventores que respondiam diretamente ao Poder Executivo. Assim, entre 1991 e 1992, a redução do emprego prejudicou nada menos que a 100.000 trabalhadores do setor público (SVAMPA, 2010, p. 40).

Aliados, os processos de privatização e o intenso deslocamento de indústrias para outros países  foram responsáveis pela expansão do lumpemproletariado e do lançamento de mais de 50% da população abaixo da “linha da pobreza” e um crescimento vertiginoso da população na indigência. A paisagem urbana de diversas regiões do país se modificou completamente. Regiões que antes eram conhecidas como importantes cordões industriais (Grande Buenos Aires, Rosário e Córdoba) se transformaram em verdadeiros cemitérios de fábricas abandonadas e outras regiões conhecidas por fornecerem os principais combustíveis do país se tornaram espécie de “territórios fantasmas” completamente abandonados.

Figura 02 – Evolução da população (%) abaixo da linha da pobreza e da indigência. Grande Buenos Aires







Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e do Trabalho da Nação Argentina (2006). Em: MINUJIN & ANGUITA, Eduardo, 2004, p. 50.

Diante dos efeitos desintegradores da acumulação integral diversas organizações populares insurgiu com o intuito de promover uma resistência a esse quadro dramático e assustador e, na medida do possível, impor freio ao avanço do mesmo. Sem sombra de dúvidas um dos principais protagonistas da resistência ao neoliberalismo e suas consequências foi o movimento de desempregados conhecido como Movimento Piqueteiro[3].
No início dos anos 90, em diversas regiões petrolíferas do país que sofreram com o desemprego em massa, derivado do processo de privatização, iniciou-se um movimento de pressão popular caracterizado pela exigência de trabalho, de subsídios para garantir a sobrevivência, pois a maioria dos piqueteiros passava a “viver” abaixo da “linha da pobreza”, sem direito a alimentação, moradia, saúde etc., pelo caráter assembleiario de suas decisões e forma organizacional e, principalmente, por sua ação direta no enfrentamento contra as forças repressivas. Além disso, esse movimento tinha como principal ferramenta de luta o bloqueio de estradas (piquetes) fundamentais para a circulação de mercadorias. Diante da incapacidade do poder público em atender as reivindicações do movimento e da expansão do mesmo para diversas províncias do país, iniciou-se uma intensa política de repressão institucional e criminalização do protesto social na Argentina (KOROL & LONGO, 2009). E aqui começa a se revelar a face penal do neoliberalismo argentino que a partir de agora prenderá nossa atenção.
Durante quase toda a década de 1990 houve manifestações contrárias às consequências sociais das políticas neoliberais e em diversas delas houve enfrentamento com as forças policiais que paulatinamente foi ampliando suas práticas repressivas e o grau de violência no tratamento com os manifestantes. Uma prática comum das forças repressivas institucionais foi o gatillo fácil que é caracterizado pela CORREPI – Coordenadoria contra a Repressão Policial e Institucional[4] -, uma organização política de denúncias contra os direitos humanos na Argentina, como “execuções sumaríssimas aplicadas pelas forças policiais e que no geral tendem a ser ocultadas como ‘enfrentamentos’. Esta ‘pena de morte extra-legal’ se distingue por duas etapas: o fuzilamento e o encobrimento”. A partir de agora gostaríamos de apresentar alguns exemplos de casos de gatillo fácil que reforça a tese segundo a qual o que vem ocorrendo na Argentina entre a década de 1990 até o ano de 2002 (momento ápice da rebelião argentina) é uma tentativa anti-democrática de criminalizar e silenciar os protestos e lutas sociais legítimas:

Tabela 01 – Resumo de casos de gatillo fácil na repressão seletiva contra os contestadores sociais:
Data/Local
Vítimas de gatillo fácil
Descrição
12/04/1995
Tierra del Fuego
Víctor Choque
37 anos, operário da construção assassinado pela policial local durante uma mobilização.
12/04/1997
Cutral Có
Teresa Rodríguez
24 anos, empregada doméstica assassinada pela ação da Gendarmería[5] durante uma manifestação docente.
17/12/1999
Ponte que liga as províncias Corrientes e Chaco
Mauro Ojeda e Francisco Escobar
18 anos, desempregado e 25 anos, cartonero. Ambos assassinados à queima roupa pela Gendarmería na ocupação da ponte Manuel Belgrano.
09/05/2000 Puebladas em General Mosconi e Tartagal – Província de Salta
Orlando Justiniano e Matías Goméz
21 anos e 18 anos respectivamente. Ambos assassinados pela polícia provincial.
10/11/2000
General Mosconi e Tartagal – Província de Salta
Aníbal Verón
37 anos, motorista da empresa de transporte Atahualpa. Assassinado com um tiro no rosto pela Gendarmería, durante o bloqueio da estrada 34.
Junho de 2001
General Mosconi e Tartagal
Oscar Barrios e Carlos Santillán
17 anos e 27 anos respectivamente. Ambos desempregados (piqueteiros) e assassinados pela polícia provincial em um bloqueio de estrada.
19 e 20/12/2001
Diversas cidades do país
37 pessoas assassinadas
Rebelião generalizada em diversas cidades do páis com epicentro na Capital Federal (Buenos Aires) que caracterizou uma profunda crise institucional[6].
06/02/2002
Cidade de El Jagüel
Javier Barrionuevo
31 anos, desempregado e militante de um Movimento de Trabalhadores Desempregados – MTD. Assassinado no bloqueio da estrada 205.
26/06/2002
Cidade de Buenos Aires
Darío Santillán e Maximiliano Kosteki
21 anos e 22 anos respectivamente. Ambos militantes de organizações piqueteiras e executados sumariamente pela polícia de Buenos Aires durante uma intensa repressão promovida por diversas forças policiais à tentativa de ocupação da
Ponte Pueyrredón.
Fonte: KOROL, Claudia & LONGO, Roxana. Criminalización de los movimientos sociales en Argentina – Informe general. IN: KOROL, Claudia (org.) Criminalización de la pobreza y de la protesta social. Buenos Aires: El colectivo, America libre, 2009.
O crescente processo de criminalização dos movimentos sociais e de seus protestos em várias regiões do mundo, e particularmente na Argentina, exprime outra face do Estado neoliberal e de sua determinação em tornar regular a dinâmica da acumulação integral. Para isso, ele precisar criminalizar a pobreza e os movimentos sociais de luta contra a mesma, pois um combate efetivo à pobreza e ao desemprego já não constitui algo que se possa visualizar no interior desse regime de acumulação. Além disso, a emergência de lutas sociais com tendências cada vez maiores à radicalização pressiona o Estado e obstaculiza cada vez mais o processo de acumulação. Eis a função da criminalização do protesto social derivado do crescente processo de lumpemproletarização.
A trajetória histórica de avanço dos índices de desemprego, subemprego, indigência e pobreza na Argentina entre os anos de 1990-2003 coincide com o avanço das taxas de delito em geral. Isso nos possibilita indagar: Existe uma relação concreta entre lumpemproletarização, pobreza e criminalidade? Acreditamos que sim. Contudo não se trata de uma relação mecânica, causal, mas sim, complexa e envolvida por uma multiplicidade de determinações que não cabe aqui serem discutidas.
Os anos de 1990 na Argentina, assim como em vários outros países latino-americanos, presencia uma escalada surpreendente das taxas de delitos tais como homicídios, roubos com armas, furtos etc. (CIAFARDINI, 2006). Os gráficos a seguir são demonstrativos de tal escalada:




 Figura 03 – Evolução da taxa de delitos.









Fonte: Registro Nacional de Reincidência (até 1998) e Direção Nacional de Política Criminal (1999 em diante). Ministério da Justiça da República Argentina. Em: CIAFARDINI, 2006, p. 57.



Figura 04 - Evolução, em porcentagem, de vítimas de roubo com armas.









Fonte: Pesquisas de vitimização, Direção Nacional de Política Criminal, Ministério da Justiça da República Argentina. Em: CIAFARDINI, 2006, p. 62.

A explicação mais convincente para o crescimento exponencial dos delitos em geral na Argentina é, sem sombra de dúvidas, o amplo processo de lumpemproletarização e o consequente empobrecimento que tem experimentado quase metade da população nacional entre os anos de 1990 e 2003. O imenso processo de deterioração das condições socioeconômicas afeta diretamente os jovens. O processo de neoliberalização globalizada atingira duramente a juventude que sofrera com o intenso avanço de desinstitucionalização (crise da escola, crise da família etc.) e de desestruturação do mercado de trabalho na Argentina desse período (SVAMPA, 2010). Segundo Svampa,
em maio de 1995, quando o país alcançou seu primeiro recorde histórico de desemprego (18%), o desemprego dos jovens da Área Metropolitana de Buenos Aires alcançava 34,2%. Em novembro de 1999, os jovens desempregados (entre 15 e 24 anos) duplicavam a taxa nacional de desemprego, alcançando 27%. As cifras indicavam também que 40% dos jovens estavam abaixo da linha de pobreza. Contudo, dados mais recentes assinalam que 6 de cada 10 jovens são pobres; isto é, 5.500.000 pessoas entre 15 e 29 anos (2010, p. 172).
A falta de experiência e qualificação laboral, juntamente com uma formação escolar débil faz dos jovens uma clientela preferencial para todo tipo de trabalho precário e condições vulneráveis de existência, uma vez que as empresas de organização integral contam com suas “capacidades maleáveis” e inexperiência sindical de lutas e resistências. Diante desse panorama não é difícil perceber que muitos desses jovens também sobrevivem nas franjas da ilegalidade da “economia das ruas” (WACQUANT, 2008). Obviamente eles se tornaram as maiores vítimas do controle, disciplinamento compulsivo e repressão preventiva efetuado pelos aparatos repressivos da polícia, assim como as maiores vítimas de gatillo fácil e de diversas outras arbitrariedades extremamente violentas e letais praticadas cotidianamente por diversos policiais (ALES, 2009; SVAMPA, 2010).
Para corroborar a afirmação segundo a qual são os jovens pobres as maiores vítimas do controle e disciplinamento compulsivo efetuado pela polícia, assim como as maiores vítimas de gatillo fácil, utilizaremos dos registros de duas organizações de investigação e defesa dos direitos humanos na Argentina. Trata-se do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS[7]) e da Coordenadoria contra Repressão Policial e Institucional (CORREPI).
Uma particularidade presente em quase todos os casos de gatillo fácil ocorridos na Argentina está nas formas como as execuções são realizadas. As vítimas geralmente são: jovens confundidos com outros jovens, jovens em fuga ao praticar um delito, vítimas de abuso de autoridade que resultam em mortes nas revistas policiais (o famoso baculejo), jovens executados por estarem em lugares e horários suspeitos etc. Juntamente com isso, outra particularidade envolta nesses casos é fornecida pela “justificativa” da instituição policial que quase sempre alega que a morte foi provocada por enfrentamento com a polícia, que constantemente implanta armas nos locais em que ocorre o gatillo fácil.
De acordo com a base de dados do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), a violência promovida pelas instituições de segurança (polícia em geral) tem gerado na última década 2.753 vítimas fatais somente na região metropolitana de Buenos Aires. Em meio a toda essa violência existe um amplo leque de situações envolvendo a participação de policiais: execuções sumárias, enfrentamentos armados, abuso da força, torturas seguidas de morte, pessoas assassinadas em protestos sociais, crimes efetuados por policiais por motivos particulares e casos graves de violência efetuado por policiais no interior de relações familiares etc. (PALMIERI, 2008).
A revista da CORREPI O Anti represivo de novembro de 2010 aponta que desde dezembro de 1983 até novembro de 2010 a polícia argentina havia assassinado 3.093 pessoas e mais da metade, 1.634, ocorreram sob o governo dos Kirchner que “tanto gosta de se autoproclamar como governo dos DDHH” (CORREPI, 2010). Entre novembro de 2009 e novembro de 2010, aproximadamente, ocorreram 220 casos de mortes por gatillo fácil e torturas no cárcere, prisões e institutos de menores infratores.

Figura 05 - Pessoas mortas em atos violentos com participação de policiais na região Metropolitana de Buenos Aires.







Fonte: Base de dados do Centro de Estudos Legais e Sociais.
Nota: Além de funcionários policiais, se incluem membros de todas as instituições estatais que exercem o papel de força de segurança na representação do Estado: Forças armadas, serviços penitenciários, forças de segurança federais (Gendarmería Nacional, Polícia de Segurança Aeroportuária, Prefeitura Naval Argentina).

No fundo o que vem ocorrendo em todo o território argentino, especialmente na região da Grande Buenos Aires, é uma política estatal de repressão preventiva contra a possibilidade de emergência de novas organizações populares nos bairros pobres[8], e contra os delitos cometidos pela juventude lumpemproletária contra a propriedade. Uma prova disso é o crescente processo de militarização dessas áreas cujos habitantes vivem em constante processo de vigilância e controle por parte das instituições de segurança.
Outro elemento que reforça a tese segundo a qual o Estado neoliberal equivale a um Estado Penal (Wacquant, 2001) e, consequentemente, suas ações apontam para uma maior repressão e criminalização dos setores mais pobres da sociedade é fornecido pelo aumento significativo dos investimentos governamentais na polícia. O caso mais visível é o da Gendarmería, visto que
desde 1938, data de sua criação em plena “década infame”, até agora, nunca a gendarmería havia sido tratada com tanta consideração, especialmente, por parte dos governos vigentes. Basta assinalar que em 2011 seus recursos se viram incrementados em 23%, porcentagem que está acima de qualquer outro setor do gasto público e que sua participação na distribuição dos gastos de segurança interna passou, nestes 08 anos do governo dos Kirchner, de 31% em 2002, (frente aos 42% que ostentavam a Polícia Federal), a uma quase paridade com a “federal”, em torno de 38% dos gastos, mas com apenas 42.000 efetivos frente aos quase 60.000 da polícia federal (ROCCHIO, 2011, p. 07). 
O “Operativo Centinela”, colocado em prática desde o final de 2010, mantém aproximadamente 6.000 gendarmes controlando o Conurbano Bonaerense (região metropolitana de Buenos Aires) e, a partir de julho de 2011, 2.500 gendarmes e outros patrulheiros passaram a exercer um controle diário sobre os bairros localizados ao sul da cidade de Buenos Aires sob a marca do “Operativo Unidade Cinturão Sul”. Isto é, o Estado argentino vem promovendo uma verdadeira militarização dos bairros pobres da cidade de Buenos Aires e de sua região metropolitana com o intuito de coibir a reorganização dos movimentos sociais emergidos durante a grande rebelião argentina e reprimir os delitos contra a propriedade privada.
Em síntese, além de promover uma criminalização dos movimentos sociais, juntamente com uma repressão violenta dos seus militantes, que conforme demonstrou a tabela 01, são constantemente vítimas de gatillo fácil, o Estado neoliberal argentino vem promovendo uma criminalização e repressão violenta dos setores mais pobres de sua sociedade. Acredita-se que a política estatal de repressão preventiva argentina execute em média um jovem por dia em casos de gatillo fácil, tortura na prisão e delegacias. Segundo informações da CORREPI (2011a), no ano de 2010 foram registradas mais de 300 mortes promovidas pelas forças de repressão argentinas. Desde o retorno da democracia no ano de 1983, a repressão preventiva pôs fim a quase 3.400 vidas. Em sua maioria, jovens habitantes de bairros pobres, nos quais dois terços possuíam menos de 35 anos. O Banco de dados da CORREPI mantém atualizado desde 1996 os casos de gatillo fácil que revela em seus gráficos um acumulo hediondo: 1996 (ano) – 262 (casos), 1997 – 382, 1998 – 471, 1999 – 635, 2000 – 833, 2001 – 1008, 2002 – 1292, 2003 – 1508, 2004 – 1684, 2005 – 1888, 2006 – 2114, 2007 – 2334, 2008 – 2557, 2009 – 2826, 2010 – 3093, 2011 – 3393 (CORREPI, 2010a).
Para a CORREPI, todos esses casos são reveladores daquilo que há anos ela vem denunciando e combatendo, isto é, que o gatillo fácil é uma política de Estado. O Estado neoliberal argentino substitui a face social do Estado por sua face penal que paulatinamente se apresenta como uma espécie de panoptismo social (Wacquant, 2008; Foucault, 2009). Além do mais, o endurecimento das práticas repressivas e dos milhares de casos de gatillo fácil equivale a uma nítida política de repressão contrarebelião preventiva que, nos termos de Foucault (2009), visa disciplinar e docilizar os corpos, mas não quaisquer corpos, tão somente dos jovens pobres das periferias argentinas apresentados como  “populações sobrantes” compostas por “classes perigosas”.

Referências bibliográficas:

ALES, Cecilia et al. Los círculos de la violencia policial. Estadísticas y casos de la región metropolitana de Buenos Aires. Buenos Aires: CELS, 2009.
BRAGA, Lisandro. Acumulação integral e lumpemproletarização no Brasil. 2012. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, 2012. 135 p.
CIAFARDINI, Mariano. Delito urbano en la Argentina – las verdaderas causas y las acciones posibles. Buenos Aires: Ariel, 2006.
CORREPI – Coordinadora contra la Represión Policial e Institucional. Distintos gobiernos, la misma represión. Revista El Antirrepresivo. Novembro de 2010.
____. Leyes antiterroristas. Revista El Antirrepresivo. Outubro de 2011.
____. La fuerza de la represión para profundizar el modelo de explotación. Revista El antirrepresivo. Novembro de 2011a.
DAVIS, Mike. Cidade de quartzo – escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Página aberta, 1993.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir – história da violência nas prisões. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
GARLAND, David. A cultura do controle – crime o ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: REvan, 2008.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
____. Neoliberalismo – história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008a.
____. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2011.
KOROL, Claudia & LONGO, Roxana. Criminalización de los movimientos sociales en Argentina – Informe general. IN: KOROL, Claudia (org.) Criminalización de la pobreza y de la protesta social. Buenos Aires: El colectivo, America libre, 2009.
KESSLER, Gabriel & VIRGILIO, Maria. La nueva pobreza urbana: dinâmica global, regional y argentina en las última dos décadas. Revista de la Cepal, 95, agosto 2008.
MERKLEN, Denis. Pobres ciudadanos – las classes populares em la era democrática (Argentina, 1983-2003). Buenos Aires: Gorla, 2005.
MINUJIN, Alberto & KESSLER, Gabriel. La nueva pobreza en la Argentina. Buenos Aires: Editorial Planeta, 1995.
MINUJIN, Alberto & ANGUITA, Eduardo. La classe media – seducida y abandonada. Buenos Aires: Edhasa, 2004.
PALMIERI, Gustavo et al. Políticas de seguridad, violencia policial y desafíos institucionales em un escenario volátil. Buenos Aires: CELS, 2008.
ROCCHIO, Darío. El lado obscuro de la gendarmería “progressista”. Revista La Maza, Cidade Autônoma de Buenos Aires, número 28, outubro de 2011.
SVAMPA, Maristella & PEREYRA, Sebastián. Entre La ruta y el barrio – la experiência de las organizaciones piqueteras. Buenos Aires: Biblos, 2009.
SVAMPA, Maristella. La sociedad excluyente – la Argentina bajo el signo del neoliberalismo. Buenos Aires: Taurus, 2010.
VIANA, Nildo. O capitalismo na era da acumulação integral. Aparecida, SP: Idéias e letras, 2009.
____. A teoria das classes sociais em Karl Marx. Goiânia: Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade, 2012.
WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
____. Punir os pobres – a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
 ____. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo, 2008.






* Doutorando em Sociologia no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Sociais/Universidade Federal de Goiás.
[1] Em nossa análise, o lumpemproletariado é ressignificado na contemporaneidade a partir de uma teoria marxista das classes sociais. No entanto, não ficamos presos à análise que Karl Marx realiza sobre o lumpemproletariado, o que não significa que abandonamos as contribuições desse autor para pensar tal classe social, mas tão somente que procuramos ir além dele sem necessariamente abandoná-lo. Em outras palavras, utilizamos as contribuições existentes ao longo de sua vasta obra para pensar o conceito de classes sociais. Dessa forma, afirmamos que o lumpemproletariado é composto pela totalidade do exército industrial de reserva (desempregados, subempregados, mendigos, sem-teto, prostitutas etc.) uma vez que os indivíduos que compõem essa totalidade possuem características em comum e que possibilitam sua definição como classe, da mesma forma divisões apontadas pelo conceito de frações de classe. Assim como as demais classes sociais do capitalismo, é o seu modo de vida que possibilita sua unificação como classe. No entanto, ao contrário das demais classes sociais que são unificadas a partir da sua posição na divisão social do trabalho capitalista, o lumpemproletariado se unifica pela condição de marginalidade na divisão social do trabalho e tal condição o torna uma classe social (VIANA, 2012).
[2] Para Viana, “um regime de acumulação é um determinado estágio do desenvolvimento capitalista, marcado por determinada forma de organização do trabalho (processo de valorização), determinada forma estatal e determinada forma de exploração internacional” (2009, p. 30).
[3]  Para maiores informações sobre o movimento piqueteiro ver: (MERKLEN, 2005); (SVAMPA & PEREYRA, 2009).
[4] Para maiores informações sobre essa organização visitar o site www.correpi.lahaine.org
[5]  A Gendarmería equivale a uma polícia especial desenvolvida originalmente para atuar nas regiões de fronteira argentina, mas que após a eclosão das lutas sociais radicalizadas no final da década de 1990 foi utilizada constantemente e especialmente no combate à ocupação de fábricas e corte de ruas e estradas praticado pelo movimento operário e pelos movimentos piqueteiros. A mesma foi responsável por diversos casos de gatillo fácil contra militantes sociais em toda a Argentina.
[6] Para acessar a lista de nomes das pessoas assassinadas nessa rebelião ver: KOROL, Claudia & LONGO, Roxana. Criminalización de los movimientos sociales en Argentina – Informe general. IN: KOROL, Claudia (org.) Criminalización de la pobreza y de la protesta social. Buenos Aires: El colectivo, America libre, 2009.

[7] Para maiores informações sobre o Centro de Estudos Legais e Sociais ver: www.cels.org.ar
[8]  As primeiras organizações de desempregados que promoveram grande pressão popular contra o processo de neoliberalização e lumpemproletarização na Argentina emergiram a partir das organizações territoriais existentes em diversos bairros do Conurbano Bonaerense, que, a partir de 1997, constituíram um espaço privilegiado de militância e ação política independente das estruturas hierárquicas dos partidos políticos e sindicatos. Nesse sentido os bairros forneceram um lócus de militância inovadora e ameaçadora para o poder constituído.

Nenhum comentário:

Postar um comentário