Nildo
Viana - Doutor em Sociologia/UNB e Professor na Universidade Federal de Goiás/UFG.
A história da
humanidade é marcada por mudanças, evoluções, rupturas. A sucessão de modos de
produção é expressão deste processo. Em cada modo de produção também há
mudanças, evoluções, rupturas. Isto ocorre com todos os modos de produção e
também com o capitalismo. A sucessão de regimes de acumulação demonstra o
processo de transformação no modo de produção capitalista. Porém, um regime de
acumulação também não é estático, é histórico e caracterizado por alterações e
isto vale para os seus elementos componentes. O neoliberalismo, assim como
qualquer outra formação estatal capitalista, não é algo estático e a-histórico.
O neoliberalismo também sofre alterações com o desenvolvimento histórico. Sendo
assim, adquire importância tentar observar as mudanças ocorridas no Estado
neoliberal, desde suas origens até os dias atuais.
As Origens do
Neoliberalismo
Para alguns, o
neoliberalismo teria sua origem na década de 1940. Seria nesta época que
surgiria as ideologias produzidas por Hayek e Rawls, entre outros. No entanto,
esta época era a do Estado integracionista, vulgo do “bem estar social”, um
antípoda do Estado neoliberal. Nesse contexto, o neoliberalismo era apenas uma
ideologia. Assim, o que se pode dizer é que nesta época surgiu a ideologia
neoliberal, mas não o Estado neoliberal. Pensar que o Estado neoliberal foi a
mera aplicação desta ideologia é outro equívoco a ser evitado. Trata-se de uma
concepção idealista e nada dialética. A ideologia neoliberal produzida nos anos
1940 é retomada, assim como outras são produzidas, para atender às novas
necessidades do capital. As origens do neoliberalismo estão muito mais nas
transformações do capitalismo do que no reino nebuloso das ideologias. O modo
de produção capitalista é a fonte explicativa para as transformações estatais e
ideológicas e não o contrário. A idéia de totalidade, exigência metodológica
fundamental, é abandonada por concepções que enxergam o Estado capitalista numa
suposta evolução imanente, assim como os idealistas fazem com a história das
idéias.
A necessidade da
acumulação capitalista e suas dificuldades (tendência declinante da taxa de
lucro, luta operária) são fundamentais para explicar a emergência do
neoliberalismo. O toyotismo contribuiu com a recuperação do Japão e
proporcionou um novo modelo de organização do trabalho que foi copiado,
posteriormente, no contexto das novas necessidades do capital a partir da
década de 1980, pelos países capitalistas imperialistas. O modelo Toyota, forma
específica instaurada no processo de valorização (relações de trabalho),
proporcionou a base da chamada reestruturação produtiva e sua generalização
mundial que se inicia nos países de capitalismo imperialista e atinge, de forma
diferenciada, os países de capitalismo subordinado. Um novo regime de
acumulação se instaura e este exige uma nova formação estatal, o
neoliberalismo. A crise do regime de acumulação anterior, fundado no fordismo,
estado integracionista e imperialismo oligopolista transnacional, expressa na queda
da taxa de lucro médio (Harvey, 1992) e nas lutas sociais em todo mundo (Viana,
1993; Viana, 2008), com destaque para as lutas operárias e estudantis na Itália
e França, produziu a necessidade de transformação do regime de acumulação. A
emergência do neoliberalismo é a resposta a este processo de cries do regime de
acumulação anterior, sendo manifestação do novo regime. O capitalismo busca
alternativas no sentido de superar as crises e dificuldades encontradas e estas
não terminaram com a derrota de maio de 1968 em Paris, pois as lutas
continuavam existindo, enfraquecidas em alguns países, mais ainda influentes em
outros, tal como no caso de Portugal e a Revolução dos Cravos até chegar ao da
Polônia de 1980. Porém, a crise do petróleo e outros tropeços do capitalismo
também dificultavam a situação. O trilateralismo era a tentativa que já
anunciava o futuro, o regime de acumulação integral, mas ainda não o expressava
integralmente. A década de 1970 foi um tempo de transição, no qual o antigo
regime de acumulação (intensivo-extensivo) ainda era hegemônico, mas embriões
do novo regime de acumulação já existiam. O principal embrião do novo regime de
acumulação que já estava presente no trilateralismo é a ênfase repressiva no
papel do Estado e na exploração internacional (fora do âmbito do regime de
acumulação, no plano cultural, se desenvolvia o pósestruturalismo, por
exemplo). A chamada Comissão Trilateral (Assmann, 1979) foi uma tentativa de
evitar o aprofundamento da crise ainda no interior do regime de acumulação
intensivoextensivo e seu fracasso provocou a instauração do regime de
acumulação integral, cujo objetivo é aumentar a exploração, nacional e
internacional. O trilateralismo é o último suspiro do regime de acumulação
intensivo-extensivo e, ao mesmo tempo, o anunciador do novo regime de
acumulação. O que o trilateralismo anuncia do novo regime de acumulação? Ele
anuncia a necessidade de aumento da exploração internacional e da repressão
para conseguir concretizar este objetivo:
O mundo
industrializado começa a se amedrontar e a tomar precauções diante de uma união
mais efetiva dos países pobres. O ‘trilateralismo’ elabora uma resposta
histórica. O ‘trilateralismo’ não quer transformações demasiados radicais,
porém tampouco permanece imóvel. Chegou à conclusão de que é necessário mudar
algumas coisas importantes. No entanto, não se deverá alimentar muitas ilusões;
pretende reformar o sistema para salvá-lo. Com a oportuna concessão no que se
refere a alguns itens, quer momentaneamente acalmar o Terceiro Mundo e evitar
um afrontamento que venha fazer naufragar o ‘livre comércio’ e a ‘livre
empresa’, que até agora tem gerado dividendos tão suculentos para os países
ricos (Siste e Iriarte, 1979, p. 173).
O
processo de intensificação da exploração mundial é o objetivo, mas não no
discurso. Este é um dos problemas dos analistas da Comissão Trilateral, pois
ficam presos ao discurso sem perceber o que está por detrás dele. A preocupação
com o chamado “Terceiro Mundo” é mais do que uma precaução. Trata-se de realizar
uma política preventiva aos possíveis efeitos de uma política de espoliação
ainda maior. Este processo, aliado com o neofordismo, o processo inflacionário
galopante e a pressão das dívidas externas, marcam esta etapa transitória e
fracassada do regime de acumulação anterior, mas que deixou elementos que
seriam desenvolvidos pelo regime de acumulação integral, fundamentalmente a
intensificação da exploração e da repressão. Porém, no novo regime, a repressão
e a exploração deixam de atingir apenas os países de capitalismo subordinado e
passam a atingir os países de capitalismo imperialista e passa a ser efetivado
a nível internacional e nacional. É neste contexto que nos anos 1980 emerge o
neoliberalismo e a chamada “reestruturação produtiva”, sendo que são processos
complementares, aliado ainda com o neo-imperialismo. Estes elementos são sendo
implantados paulatinamente a partir dos anos 1980. A eleição do governo
Thatcher em 1979 ao lado da vitória eleitoral de Ronald Reagan em 1980 e,
posteriormente de Helmuth Kohl em 1982 marca o avanço sucessivo de governos
neoliberais, que, assim, assumem o poder na Inglaterra, EUA e Alemanha,
respectivamente. Esta é a primeira fase do capitalismo neoliberal (regime de
acumulação integral), marcado pela eleição de governos neoliberais e de outros
que, paulatinamente, passam a adotar políticas neoliberais.
Emergência e Consolidação do
Neoliberalismo
Este período vai de 1980 até o início
dos anos 1990. É a época de expansão do neoliberalismo e de suas primeiras
manifestações, tal como as privatizações, a
desregulamentação das relações de trabalho, o ajuste fiscal e monetário,
a desregulamentação dos mercados. O neoliberalismo – expressão do regime de
acumulação integral ao lado do neo-imperialismo e da reestruturação produtiva –
busca, para utilizar expressão de Bourdieu, “uma exploração sem limites”
(Bourdieu, 1998). O endurecimento do capitalismo a partir desta época vai se
desenvolvendo e expandindo pelo mundo.
Neste contexto,
há uma precarização do trabalho e um aumento do desemprego, produzidos pelas
alterações no processo de produção e reprodução do capital a nível mundial. As
condições de vida desfavoráveis e o crescimento da miséria e da pobreza se
generalizam, inclusive nos países imperialistas. O Estado neoliberal corrói as
políticas de assistência social e reforça mais ainda as condições desfavoráveis
para a maioria da população. No caso do capitalismo subordinado, que reproduz
sua subordinação implantando um processo de exploração ainda mais intenso do
que já existia. O neoliberalismo subordinado faz com que a situação já
desfavorável se torne ainda mais grave.
O ciclo se
encerra no final dos anos 1980. O neoliberalismo emergente é substituído pelo
neoliberalismo hegemônico. A crise do capitalismo estatal (queda do muro de
Berlim) e o fim da Guerra Fria, aliado à expansão neoliberal no capitalismo
subordinado, promovem uma consolidação ideológica e política do neoliberalismo.
O regime de acumulação integral se torna hegemônico mundialmente e fecha o
ciclo. Uma
vez consolidado
o neoliberalismo, temos um aumento geral da exploração e da pobreza que vai se
desenvolvendo paulatinamente na década de 1980. A hegemonia neoliberal é
reforçada pela crise do capitalismo estatal e pelo desgaste ideológico e
político do chamado “marxismo”-leninismo, o que traz mudanças na oposição – que
tem uma parte que capitula, outra que se mantém na oposição com o mesmo credo e
uma outra que busca nova inspiração política e teórica. A vitória do
neoliberalismo é anunciada por ideologias grandiloqüentes com a do “Fim da
História” e emerge o pensamento único. O mundo se torna neoliberal.
O
Neoliberalismo Hegemônico e a Retomada da Acumulação Capitalista
A
partir dos anos 1990 o neoliberalismo entra em sua segunda fase, a fase
hegemônica. Já praticamente livre do bloco capitalista estatal e das forças
políticas que lhe apoiava, com governos neoliberais assumindo o controle de
países como Brasil e Argentina, entre vários outros, a nova fase é de uma
ofensiva poderosa buscando aumentar ainda mais a exploração capitalista
mundial. A acumulação capitalista nos anos 1980 conseguiu evitar uma queda e
iniciou um processo de recuperação e intensificação. Isto, no entanto, não foi
suficiente para garantir o processo de retomada da acumulação capitalista.
“Desenvolveu-se
em todo o mundo um ‘consenso político’ sobre política macroeconômica; os
governos têm adotado inequivocadamente uma agenda política neoliberal. Desde o
início da década de 1990, as reformas macroeconômicas adotadas nos países da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm apresentado muitos
dos ingredientes essenciais dos programas de ajuste estrutural (PAEs) aplicados
no Terceiro Mundo e no Leste Europeu” (Chossudovsky, 1999, p. 13).
Assim,
a privatização, aumento do desemprego, diminuição das políticas de assistência
social, são generalizadas e até nos países imperialistas as medidas neoliberais
se tornam mais fortes. A pressão em torno da dívida externa se torna maior e
uma estratégia para aumentar a exploração internacional (Chossudovsky, 1999).
Para se manter este processo de “exploração sem limites” até nos países
imperialistas, se cria as ideologias necessárias para a aceitação das mudanças.
É neste contexto que surgem ideologias fatalistas como a da globalização e
outras produções ideológicas que visam descrever o fenômeno, tal como a
ideologia da exclusão social que vai ser cunhada na França a partir de 1992
(Viana, 2008).
Pode-se
agora compreender porque, a despeito de sua inconsistência teórica, a noção de
exclusão abrange um grande consenso. As medidas tomadas para lutar contra a
exclusão tomam o lugar das políticas sociais mais gerais, com finalidades
preventivas e não somente reparadoras, que teriam por objetivo controlar
sobretudo os fatores de dissociação social (Castel, 2004, p. 32).
A emergência da
ideologia da exclusão social é produto do processo de lumpemproletarização, que
ocorre na época do regime de acumulação integral (Viana, 2008), e está ligada
também ao processo de constituição de políticas de assistência social
paliativas e setoriais em substituição as políticas de assistência social de
caráter estrutural que existia na época do estado integracionista. A ideologia
da exclusão social também serve para
ofuscar a luta de classes e realizar a defesa da inclusão dos excluídos, sem
questionar as relações de classes, o que torna a inclusão algo benéfico e a
exclusão maléfica, sem questionar em que se propõe a inclusão (no trabalho
alienado e explorado).
O empobrecimento
da população (lumpemproletarização) se torna cada vez maior na Europa e Estados
Unidos e as políticas de “ação afirmativa”, de “cotas”, voltadas para setores
específicos da sociedade (negros, mulheres, jovens, homossexuais, etc.) é
acompanhado pela responsabilização da sociedade civil, criando instituições (ONGs,
por exemplo) e ideologias (voluntariado) visando compensar a poupança de recursos
por parte do aparato estatal. Aliado a isso, novos nichos de mercado são produzidos,
também seguindo a lógica setorial e isto se reproduz nas ideologias da moda,
tal como o pós-estruturalismo e seus derivados (tal como a ideologia do
gênero). A diminuição dos gastos estatais provocou uma redução do número de funcionários
públicos e burocratas e as instituições da sociedade civil, especialmente as ONGs
e o que se convencionou chamar “terceiro setor”, acaba sendo não somente um processo
para que a sociedade civil organizada execute um papel que era da alçada do Estado
como também absorva parte da burocracia estatal dispensada. As políticas de assistência
social paliativas e setoriais são reforçadas pela ideologia pós-estruturalista
e por novas ideologias derivadas e emergentes que se fundamentam no localismo,
no microreformismo, etc.
Outra
conseqüência do empobrecimento da população se revela no aumento da fome, do
desemprego, da migração internacional, da criminalidade, da violência e até mesmo
o retorno de moléstias contagiosas (Chossudovsky, 1999). Porém, há duas conseqüências
dentre estas que destacaremos: o aumento da criminalidade e da violência, por
um lado; e o barateamento do preço da força de trabalho, por outro. A violência
se torna um dos temas acadêmicos mais debatidos e, na maioria dos casos, sob a
perspectiva conservadora, no qual não faltam cientistas sociais para
culpabilizar o indivíduo ou reclamar mais moralização e mais repressão (Viana,
2002). A origem disso, no entanto, se encontra na chamada “doutrina da
tolerância zero”, produzida em Nova York e exportada para o resto do mundo:
“De
Nova York, a doutrina da ‘tolerância zero’, instrumento de legitimação da
gestão policial e judiciária da pobreza que incomoda – a que se vê, a que causa
incidentes e desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma
difusa sensação de insegurança, ou simplesmente de incômodo tenaz e de
inconveniência –, propagou-se através do globo a uma velocidade alucinante. E
com ela a retórica militar da ‘guerra’ ao crime e da ‘reconquista’ do espaço
público, que assimila os delinqüentes (reais ou imaginários), sem teto,
mendigos e outros marginais a invasores estrangeiros – o que facilita o
amálgama com a imigração, sempre rendoso leitoralmente” (Wacquant, 2001, p.
30).
O
estado neoliberal assim se manifesta como Estado mínimo (em políticas de
assistência social, em intervenção no mercado e no aparato produtivo) e forte
(nas políticas repressivas). O processo repressivo é complementado pela
política de dispersão da classe operária. O deslocamento de indústrias
capitalistas para países e regiões pouco industrializadas e/ou com grande
população tem o duplo papel de enfraquecer politicamente o proletariado
(dispersão espacial, recrutamento de novo proletariado sem tradição de luta,
pouca concentração dos trabalhadores em cidades e regiões) e aumentar a
exploração devido ao uso de força de trabalho em locais com grande reserva da
mesma. Este processo todo também faz aumentar a resistência. A partir da
segunda metade da década de 1990, há um ressurgimento de uma negação do
capitalismo, ainda incipiente, mas que vai crescendo paulatinamente (anarquismo,
movimentos sociais, etc.). Este processo de fortalecimento do movimento de
contestação vai ser realizado com contradições, mas expressando justamente uma
resposta ao processo de aumento geral da exploração e tudo que é derivado daí.
O processo de precarização e o de lumpemproletarização proporcionam a
organização de novos movimentos sociais, tal como o dos desempregados e dos
sem-teto. Devido suas condições sociais e falta de ligação orgânica, os
movimento dos desempregados pode ser considerado um “milagre social” (Bourdieu,
1998) e reflete este processo social de “exploração sem limites”.
A emergência do
chamado Movimento Antiglobalização, principalmente a partir de 1999, marca uma
nova fase de ascensão das lutas sociais, que vai estar presente não só nas
manifestações e ativismo de indivíduos e grupos, mas também em mobilização da
população e radicalização de suas lutas, tal como ocorreu no México e Argentina.
As lutas sociais no México e Argentina mostraram uma grande radicalização e
colocaram o neoliberalismo em perigo. O atentado de 11 de setembro de 2001 foi
mais uma manifestação das contradições sociais e abriu a possibilidade para uma
ofensiva do capitalismo neoliberal, tal como veremos a seguir.
O Neoliberalismo
Protofascista
A partir dos anos
2000 inicia-se a terceira fase do neoliberalismo. Esta fase expressa uma
resposta repressiva do estado neoliberal para as crescentes mobilizações sociais,
principalmente a partir de Seattle, Chiapas, lutas sociais na Argentina e o atentado
de 11 de setembro de 2001. A invasão do Iraque pelos EUA é apenas a face mais
visível deste processo. O Plano Colômbia e outras estratégias são adotadas pelo
Estado Neoliberal, que passa de Estado penal – expressão de Wacquant – para
Estado Penal Contra-Insurgente.
O crescimento da
pobreza e da miséria ocorre como uma bola de neve e isto produz vários
processos sociais, tal como a favelização (Davis, 2006) e a concentração da
pobreza urbana. O crescimento das favelas e a organização do espaço urbano
feito pela população contrariam a lógica estatal e por isso o Estado neoliberal
passa a pensar estratégias de contra-insurgência em relação aos movimentos
sociais, grupos políticos e
população
favelada, devido ao descontrole sobre eles. Assim, o Estado neoliberal se torna
um estado contra-revolucionário preventivo e passa a usar estratégias militares
para controlar a
população, inspiradas seja no Iraque invadido pelos EUA, seja na intervenção
brasileira no Haiti (Zibechi, 2008). A política de contra-insurgência não é
apenas militar,
mas também voltada para ações sociais junto a estas populações, e utiliza a
mediação de ONGs, militantes de esquerda, intelectuais, entre outros, para realizar
um feedback e realizar atividades (educação popular,
profissionalização), e produzir lideranças
e organização democrática, além de expandir revitalizar a produção
e distribuição
mercantil no local. Este processo já vinha sendo aplicado sob a forma de
assistencialismo (bolsa família, renda cidadã) que aliado às políticas
paliativas, realizava políticas setoriais e cooptação de parte da população, e
responsabilização da sociedade civil, como ONGs, economia solidária e outras
formas de criar estratégias de sobrevivência transformadas em virtude e
engajamento popular de matriz neo-reformista. Porém, agora isto é realizado de
forma mais controlada pelo aparato estatal e em pontos estratégicos de lugares
potencialmente mais explosivos e menos controlados.
A “sociedade
nua” de Vance Packard (1966) se transformou em sociedade da vigilância
integral. Várias empresas (fábricas, escolas, etc.) usam a vídeo-vigilância para
controlar o que ocorre e o processo de trabalho; o sistema de vídeos também se espalha
por elevadores, lojas, etc. O mundo virtual também é crescentemente vigiado e controlado,
e os governos tentam legalizar uma vigilância que em grande parte já ocorre na
prática (Freire, 2006). O sistema de informação e vigilância se torna mais
amplo e com os mais variados pretextos (contra criminalidade, terrorismo,
pedofilia, etc.). Por detrás disso há mais do que o que aparenta ser, pois se a
criminalidade, terrorismo e pedofilia podem ser alvos reais, o que grande alvo
é as revoltas populares, interesses nacionais, etc. Isto está ligado à política
de contra-insurgência da nova fase do neoliberalismo. Porém, além disso, o
Estado neoliberal deve criar as condições para uma nova ofensiva não apenas
repressiva, mas também no aspecto financeiro e no processo de exploração. A
partir dos anos 2000 houve uma nova queda da taxa de lucro (veja gráfico
abaixo). Porém, há um ziguezague e a relativa recuperação a partir de 2003 logo
recrudesce. A instabilidade financeira e a ameaça inflacionária são
determinações conjunturais que aumentam a necessidade de exploração e ao mesmo
tempo o dificulta, já que as condições de vida de grande parte da população já
são mais que precárias. Isto também ocorre na esfera cultural, na qual surgem
ideólogos protofascistas que não medem esforços em atacar as idéias
contestatórias e o marxismo, em especial. O que é novo nos intelectuais
protofacistas é a virulência unida a uma tentativa de fazer as tendências de
esquerda aparecerem como um inimigo imaginário, visando desarticular qualquer
oposição intelectual e facilitar assim a hegemonia burguesa e o aumento da
superexploração. As lutas sociais a partir do final dos anos 1990 fez emergir a
fase protofacista do neoliberalismo. A contra-revolução preventiva se torna
mais intensa e a política de contra-insurgência se torna uma das principais
características que se consolida atualmente. O empobrecimento da população e a
desorganização do espaço urbano com a favelização e outros fenômenos, aliado
com as dificuldades financeiras do capitalismo contemporâneo, marcam a
possibilidade de passagem do neoliberalismo protofascista para o fascismo ou a
guerra. Porém, existem outras possibilidades e é a luta de classes que definirá
qual delas será vitoriosa: autogestão social ou barbárie.
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WACQUANT, Löic. As
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ZIBECHI, Raul. A
Militarização das Periferias Urbanas. Revista O Comuneiro, n. 9,
Março de 2008.
[1]
Professor de Sociologia da Universidade Federal de Goiás, autor
de diversos livros tais como Estado, Democracia e Cidadania; O capitalismo na Era
da Acumulação Integral; Manifesto Autogestionário etc.
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