Resumo: O comunismo de Conselhos foi uma perspectiva teórica e política que se desenvolveu a partir da movimentação operária ocorrida na Europa (Rússia, Alemanha, Holanda, Itália etc.) nas duas primeiras décadas do século 20. Este texto busca demonstrar com a maior clareza possível como se desenvolveu esta corrente. Nosso pressuposto é de que as idéias não se desenvolvem por si mesmas, independentemente das relações sociais concretas. Assim, demonstramos na primeira parte como o Comunismo de Conselhos se desenvolve a partir das lutas operárias ocorridas no início do século 20. Em seguida, demonstramos como esta tendência difere radicalmente do bolchevismo, da social-democracia (comunismo de partido) e do sindicalismo. O Comunismo de Conselhos caracterizou-as como burocráticas. Por último apresentamos o que consideramos ser a essência do Comunismo conselhista, seus principais princípios.
Palavras-chave: Conselhos Operários; Crítica da Burocracia; Comunismo de Conselhos.
Abstract: Council communism was a political and theoretical perspective that has developed from the working class movement that occurred in Europe (Russia, Germany, Holland, Italy etc..) In the first two decades of the 20th century. This text seeks to demonstrate as clearly as possible how it developed this current. Our assumption is that ideas do not develop by themselves, regardless of the actual social relations. Thus, we demonstrate the first part as council communism grows out of workers' struggles that occurred in the early 20th century. Next, we demonstrate that this trend differs radically from the Bolsheviks, the Social Democracy (Communist Party) and unionism. Communism Councils characterized them as bureaucratic. Finally we present what we consider to be the essence of the Community Council, its main principles.
Keywords: Workers Councils; Critique of bureaucracy; Communism Councils.
Introdução
Este texto visa apresentar os aspectos
fundamentais do que ficou conhecido
como Comunismo de Conselhos. Tal
corrente foi bastante marginalizada ao
longo da história do século 20. Isto não
é nenhuma novidade. A história
dominante sempre foi a história da
classe dominante. Aqueles que vencem
as batalhas históricas contam-nas à sua
maneira, destacando os acontecimentos,
indivíduos, idéias que lhes são mais
adequados. Na maioria das vezes, estes
acontecimentos nem são os mais
importantes ou quando o são, são
distorcidos; os indivíduos são
personificados; as idéias são deturpadas
ou mesmo esquecidas.
O Comunismo de Conselhos é uma
expressão clara deste processo. Seus
principais autores: Pannekoek, Korsch,
Rühle, Gorter, Canne-Mejer, Mattick
etc. são ilustres desconhecidos. Mesmo
produzindo obras fundamentais, idéias
seminais, não passam de alguns nomes
(exóticos) estampados na lista de
autores marxistas. Por que se deu desta
maneira? O que é o Comunismo de
Conselhos? Como se formou? Quais
suas principais teses ou idéias
fundamentais?
Responder estes questionamentos é o
desafio que temos à frente.
A origem do Comunismo de
Conselhos
A história do comunismo de conselhos é
a própria história do movimento
operário. Trata-se de uma vinculação
orgânica entre luta revolucionária do
proletariado e produção teórica
revolucionária expressando os
interesses do proletariado. O que quero
dizer com isto é que a produção das
idéias não é desvinculada da prática
social dos indivíduos que as produzem
(MARX & ENGELS, 2002a). Assim, o
desenvolvimento das idéias é um
processo complexo efetivado pelos
indivíduos na apreensão, compreensão e
explicação da vida concreta.
Numa sociedade fracionada em classes
sociais, tal como a que vivemos, a
produção de explicações sobre a
realidade varia de indivíduo para
indivíduo, de grupo social para grupo
social, e principalmente, de classe social
para classe social. Conscientemente ou
não, as teorias, ideologias sobre o
mundo são a perspectiva de uma ou
outra classe social. Na sociedade capitalista temos três classes de grande
expressão social e também no que se
refere à produção de idéias: a burguesia
e o proletariado, que são as classes
fundamentais do capitalismo, e a
burocracia, que é uma classe auxiliar da
burguesia . De maneira esquemática,
podemos dizer que um indivíduo ou
grupo de indivíduos produz suas teorias
ou ideologias sobre o mundo tendo
como referência ou perspectiva uma ou
outra destas classes sociais.
A burguesia e a burocracia, e demais
classes que se aliam a elas
(intelectualidade, por exemplo), visam
manter o mundo como ele é, manter as
relações sociais de produção e
reprodução da vida como elas são. Pelo
contrário, o proletariado e todas as
classes que podem se aglutinar a ele
(campesinato, lupemproletariado e
demais classes oprimidas) tem o
interesse em expor a verdade sobre suas
condições de vida. Assim, para se
chegar a uma compreensão verdadeira
da realidade, deve-se partir da
perspectiva do proletariado, ou seja,
deve-se expressar os interesses desta
classe. Acreditamos ser o marxismo e o
comunismo de conselhos (uma
continuação e aprofundamento do
marxismo original de Marx e Engels)
uma das teorias que melhor expressa os
interesses de classe do proletariado.
O comunismo de conselhos é, portanto,
um aprofundamento do marxismo, ou
melhor, é a atualização do marxismo às
condições da luta operária do início do
século 20. Marx e Engels
desenvolveram suas teses em meados do século 19 e expressaram de maneira
aprofundada a lógica da luta de classes
do período. Quando desenvolveram
suas teses, existia dentro dos círculos
revolucionários um conjunto de grupos
e tendências que criticavam a sociedade
capitalista e se afirmavam como
socialistas, mas não viam no movimento
operário algo importante para a
constituição da sociedade futura.
Marx elaborou durante toda a sua vida
um trabalho de crítica severa às
concepções que não viam no
movimento operário a tendência de
destruição da sociedade capitalista e
afirmação da futura sociedade, a
sociedade autogerida. O produto desta
crítica foi a constituição do
materialismo histórico-dialético, ou
seja, uma teoria e um método de análise
da sociedade. Fique bem claro que a
perspectiva da qual Marx partiu para
elaborar sua teoria e seu método foi a do
proletariado.
Mas Marx viveu num período de
grandes lutas operárias. A revolução de
1848 e a Comuna de Paris de 1871 são
as expressões mais radicais destas lutas.
O que Marx visava com sua teoria era
expressar a dinâmica destas lutas e
explicá-las para que o movimento se
nutrisse delas e se tornasse assim mais
radical, mais revolucionário. A Comuna
de Paris foi a última experiência
revolucionária do proletariado durante o
século 19. Deste período até as ondas
revolucionárias do início do século 20,
o movimento operário vivenciou um
retrocesso, uma calmaria de expressão
da luta revolucionária. Se o movimento
operário, em sua prática social é
conservador, a tendência (veja que estou
dizendo tendência e não a totalidade) é que o conjunto de autores, grupos
sociais, organizações que se vinculam
ao proletariado também recuem em sua
crítica. Foi justamente isto o que
aconteceu.
O marxismo revolucionário elaborado
por Marx foi ao longo das últimas
décadas do século 19 sendo deformado.
Os primeiros sinais desta deformação
foram criticados pelo próprio Marx,
quando ele escreveu A Crítica ao
Programa de Gotha (1875). O
Programa de Gotha foi o programa
elaborado quando da fundação do
Partido social-democrata Alemão. Nesta
ocasião, reuniram-se na cidade de Gotha
(Alemanha) alguns “marxistas” e alguns
“lassalistas” e criaram o programa deste
partido. Marx refuta ponto por ponto o
programa, afirmando, em linhas gerais,
que as reivindicações ali existentes não
eram reivindicações revolucionárias,
sendo que várias delas já eram práticas
correntes em alguns países europeus da
época. Não vamos aqui analisar tal
programa, mas queremos ressaltar que
no momento em que a luta operária
recuou enquanto luta revolucionária, as
condições para a deformação da teoria
revolucionária foram dadas. E foi o que
aconteceu. A criação da SocialDemocracia
é a prova cabal deste
processo.
De maneira caricatural, podemos dizer
que a social-democracia se caracteriza
pela tentativa de conquistar o poder
estatal e demais instituições
burocráticas da sociedade (tal como os
sindicatos) via processo eleitoral. A
grande tese da social-democracia é a de
se chegar à sociedade socialista
efetuando reformas com a intenção de
melhorar as condições de vida da classe
trabalhadora. A revolução é
abandonada. É substituída pelas
reformas feitas pelo estado via
parlamento. Daí deriva sua estratégia
política: colocar cada vez mais
representantes do partido dentro dos
quadros do estado. O problema é que
para se chegar ao poder de estado,
respeitando a legislação burguesa, é
necessário fazer-se muitos acordos e ao
chegar-se ao poder, o máximo que se
pode fazer é reproduzir as relações que
colocaram os membros do partido no
poder de estado.
O partido social-democrata torna-se a
grande “organização” dos trabalhadores,
chegando a ter mais de um milhão de
filiados na Alemanha. O partido começa
a conquistar algumas municipalidades
nos países onde não é clandestino,
começa a ter representantes dentro do
parlamento, enfim, passa a ser a
legítima “organização” dos
trabalhadores e na maioria dos países,
reconhecida pelo estado.
Em linhas gerais, a social-democracia é
a expressão mais genuína da
burocratização e recuo da luta operária.
O conjunto de autores e instituições que
se desenvolveram no seio dela é algo
gigantesco. A social-democracia,
principalmente a alemã, tinha em seu
poder um conjunto de associações, de
sindicatos, clubes, escolas, imprensa
etc. o que a tornava uma poderosa e
robusta instituição. Este fato levou
Anton Pannekoek, um dos principais
autores ligados ao comunismo de
conselhos, a denominar o partido socialdemocrata
de “parlamento do trabalho”,
ou seja, um estado à parte dos
trabalhadores, mas que diz representá-
lo. Obedece à legislação burguesa, tem
nos processos eleitorais sua principal
meta e estratégia etc. Enfim, tudo aquilo
que caracteriza o parlamento burguês.
Para colocar em funcionamento toda
esta estrutura era necessário um
conjunto de funcionários, os quais se
tornavam uma classe independente do
proletariado. Tal classe já havia sido identificada no final do século 19 e
primeiros anos do século 20 por Jam
Waclav Makhaïski. Ele denominava-a
de Inteligentsia. Hoje, podemos com
muito mais precisão terminológica,
denominá-la burocracia partidária. O
que Marx viu em 1875, quando da
fundação do partido, foi somente o
gérmen, o embrião de uma classe que
viria a se tornar uma das grandes
inimigas do movimento operário
revolucionário, a burocracia partidária
(não importa se esta burocracia é de
esquerda, de direita ou de centro; se é
comunista, trabalhista ou qualquer outro
nome que se queria dar. Independente
do nome, o que importa analisar é a
prática social que esta classe efetiva no
seio da sociedade capitalista. E esta
prática é burguesa e burocrática).
A grande preocupação dos dirigentes do
partido passa a ser eleições, colocar
quadros do partido dentro do
parlamento, conquistar o poder de
municipalidades, enfim, colocar
membros do partido dentro dos quadros
do estado via processo eleitoral. Esta
passa a ser a grande estratégia e
prática política do partido social
democrata. No seio do partido, alguns
militantes começam a questionar tal
prática e estratégia. Formam-se três
tendências: a) o revisionismo; b) o
centro; c) e a esquerda. O revisionismo
era representado por Berstein e este
defendia expressamente que o
movimento operário deveria abandonar
o ideal revolucionário e depositar todas
as suas esperanças na ação parlamentar
de seus representantes. O centro,
representado por Kautsky, defendia
ainda o que ficou conhecido como
marxismo “ortodoxo”, ou seja, Kautsky
e seus discípulos defendiam uma idéia
abstrata de revolução, mas em sua
prática política, almejavam mesmo era o
crescimento do partido, era a conquista
de cadeiras no estado etc. Por fim, a
esquerda do partido apoiava a ação
espontânea das massas, defendia a
transformação social como produto de
um processo revolucionário etc. A
esquerda do partido era uma oposição
dura às demais tendências. Nesta esquerda, vários autores se
coadunavam, principalmente na
Alemanha e Holanda. Militantes do
partido como Gorter, Pannekoek, Rühle,
Rosa Luxemburgo, Leo Jogiches, Paul
Levy etc. compõem esta fileira. Vários
deles é que vão dar origem ao que ficou
conhecido como comunismo de
conselhos. Este conjunto de autores fez
uma dura crítica às práticas e
proposições ideológicas do partido
social-democrata. Entretanto, havia um
esforço muito grande entre eles para não
permitir que o partido “rachasse” ou
fragmentasse, pois havia o
entendimento de que o partido socialdemocrata
era o movimento operário.
Tal engano se desfez completamente
quando em 1914, os dirigentes do
partido que compunham o parlamento
alemão votaram a favor dos créditos de
107
guerra. Isto significava que o partido
estava aprovando os gastos do estado
alemão com a primeira guerra mundial,
uma guerra caracteristicamente
imperialista. Isto implicou num racha
definitivo dentro do partido. As
discordâncias teóricas e estratégicas
entre o revisionismo e o centro de um
lado e a esquerda do partido de outro,
chegaram a extremos neste período.
Assim, o conjunto de militantes ligados
à esquerda do partido saiu em massa.
Entretanto, somente as discordâncias
teóricas e estratégicas entre os
militantes do partido social-democrata
são insuficientes para explicar a origem
do comunismo de conselhos. Isto é fácil
de verificar. Saíram do partido socialdemocrata
alemão em 1914, mas só se
constituiu o comunismo de conselhos
em meados da década de 1920. Por quê?
Vimos que a esquerda do partido tinha
severas críticas às concepções do
partido social-democrata. Criticavam
seu “marxismo”, o qual julgavam
mecanicista e positivista; criticavam as
estratégias do partido, as quais
consideravam conservadoras, visto que
não almejavam e não desejavam o
processo revolucionário; e por último,
criticavam a prática do partido, que era
deliberadamente burguesa e reacionária.
Enfim, ideologia, estratégia e prática do
partido eram uma totalidade única,
indissolúvel.
Esta crítica foi importante, mas a
determinação fundamental, o elemento
central é sem sombra de dúvidas a reemergência
do movimento operário
revolucionário. Como dissemos no
início, as idéias não pairam
independentes do mundo concreto, elas
são uma totalidade com este mundo.
Assim, se durante as últimas décadas do
século 19 e a primeira do século 20, o
movimento operário viveu um grande
retrocesso, sendo a expressão política
deste período a social-democracia,
durante a re-emergência da luta, no
período das revoluções russa, húngara,
alemã, italiana etc., o comunismo de
conselhos foi seu produto verdadeiro.
Assim, a formação dos conselhos
operários, como a nova forma de
organização dos trabalhadores, é o
elemento fundamental no surgimento do
comunismo de conselhos. Durante todo
o século 19, o capitalismo vivenciou um
período conhecido como regime de
acumulação extensivo, ou como é mais
conhecido, “capitalismo livreconcorrencial”.
Somente no final deste
século, é que este regime de
acumulação encontra dificuldades
crescentes em se reproduzir. O início do
século 20 vivencia um novo regime de
acumulação, o intensivo, também
chamado de “capitalismo monopolista”.
Este regime já apresenta graves
problemas nas duas primeiras décadas
do século 20. A primeira Guerra
Mundial e as várias tentativas de
revolução na Europa bem o
demonstram.
Mas o que é importante no
entendimento do Comunismo de
Conselhos é a compreensão da dinâmica
da luta operária. Em 1905, na Rússia,
surgiu uma nova forma de luta, de
organização dos trabalhadores. Uma
forma que foi esboçada durante a
Comuna de Paris de 1871, mas que foi
pouco desenvolvida, a forma conselho.
Tendo sido esboçados na Comuna de
Paris e desenvolvidos de maneira
generalizada na revolução Russa de
1905, os conselhos operários se apresentaram como a nova forma da
luta operária.
As novas revoluções são as criadoras e
o produto de uma nova forma de luta, os
conselhos operários. A revolução russa
de 1917, em sua primeira fase, teve
nestas organizações, os sovietes, seu
aspecto fundamental. Se na revolução
de 1905, esta forma de luta ficou restrita
a algumas cidades, durante a revolução
de 1917, elas se generalizaram por todo
o território russo. Mas não ficaram
restritas a este país. Na revolução alemã
de 1918 a 1921, os conselhos de
operários e soldados foram o fulcro
essencial. Também na Itália, durante a
rebelião de 1919 em Turim e demais
cidades industriais, os conselhos foram
a forma de luta criada pelos
trabalhadores .
A luta dos trabalhadores para criar
organizações permanentes e
reconhecidas durante o século 19 foi
uma dura batalha. Neste processo, duas
formas distintas e complementares de
organização se formaram: os partidos e
os sindicatos. Durante as lutas do início
do século 20, uma nova forma foi
desenvolvida, os conselhos operários.
Como afirma Pannekoek (1977), os
sindicatos revolucionários são o produto
do período histórico do pequeno capital,
onde os oligopólios ainda não haviam se
formado, onde o estado ainda não
regularizava a organização sindical etc.
Com o desenvolvimento do grande
capital, os sindicatos perderam toda sua
autonomia e se tornaram organizações
para o capital. Os trabalhadores não
tinham já mais controle sobre as organizações que haviam criado no
século passado. E os partidos políticos?
Processo semelhante. A única diferença
é que os partidos já se formam não
como organização de trabalhadores,
mas como organizações de burocratas
independentes dos trabalhadores. O
caso do partido social-democrata, como
demonstramos linhas atrás, ilustra bem
este processo.
Resumidamente, temos que: a) a
determinação fundamental para o
surgimento do comunismo de conselhos
foi naturalmente o surgimento dos
conselhos operários como forma de
organização e luta concreta dos
trabalhadores; b) compõe este processo
a crítica à ideologia, estratégia e prática
política dos partidos social-democrata e
bolchevique, bem como dos sindicatos.
Enfim, a elaboração de uma crítica às
burocracias partidárias e sindicais; c)
um outro aspecto é o desenvolvimento
do marxismo original. Os comunistas
conselhistas eram autores vinculados ao
marxismo, ou seja, tinham no
materialismo histórico-dialético sua
perspectiva teórica de análise da
realidade. Sua elaboração teórica
significou a adequação e
aprofundamento do marxismo às
condições da luta operária das primeiras
décadas do século 20.
Vejamos agora, a posição do
comunismo de conselhos diante das
demais tendências que defendiam os
partidos políticos e os sindicatos como
formas de luta e emancipação dos
trabalhadores.
Comunismo de partido, de sindicato
ou comunismo de conselhos? A crítica
da burocracia
Os conselhos operários expressaram
aquilo que ficou conhecido como “o
novo movimento operário”. A forma
partido e a forma sindicato dominaram a
109
história do movimento operário durante
grande parte do século 19 e também,
por que não dizer, durante todo o século
20. Entretanto, tornaram-se formas de
dominação do proletariado. Tanto isto é
verdade, que toda vez que há a ascensão
da luta operária e formam-se os
conselhos operários são quase sempre
em oposição aos partidos e aos
sindicatos, que não os desejam.
A constituição dos conselhos operários
como forma e conteúdo da luta operária
expressa uma nova maneira de ação
concreta dos trabalhadores. Os partidos
políticos ditos representantes dos
trabalhadores, nesta época (início do
século 20), destacam-se o partido
social-democrata, do qual o partido
alemão era mais expressivo, e os
partidos comunistas (PC), do qual o PC
russo, após a tomada do poder pelos
bolcheviques em outubro de 1918, era o
mais poderoso .
Da mesma forma os sindicatos.
Surgiram como organizações de
trabalhadores durante as lutas operárias
do século 19. À medida que o grande
capital foi se constituindo em
oligopólios, tornando-se cada vez mais
poderoso e burocrático, à medida que o
estado capitalista foi regularizando a
situação dos sindicatos, dando-lhes
legalidade e por conseqüência uma
legislação própria que os regulasse,
impondo-lhe limites de ação etc., esta
organização de trabalhadores torna-se
cada vez mais afastada dos
trabalhadores. Cria-se uma poderosa
burocracia sindical, que embora fale em
nome dos trabalhadores, não são mais
trabalhadores nem muito menos
representam os interesses de classe do
proletariado. Os partidos políticos e os sindicatos
significam o fortalecimento no seio da
sociedade capitalista de uma classe
social antagônica ao proletariado: a
burocracia partidária e sindical. O modo
de produção capitalista é constituído por
duas classes fundamentais, a burguesia
e o proletariado. Entretanto, estas não
são as únicas, existe um conjunto de
outras classes que pela posição na
produção, modo de vida, rendimentos,
valores, etc. se aproximam ora da
burguesia, ora do proletariado. A
burocracia é uma destas. Entrementes, a
burocracia é uma classe fracionada,
tendo em seu interior aqueles estratos
com maior e menor rendimentos (Viana,
2008a). Via de regra, os estratos da
burocracia com maiores rendimentos
(altos burocratas do estado,
magistrados, executivos de grandes
empresas etc.) apresentam modo de
vida, valores e mentalidade que se
aproximam da burguesia; pelo
contrário, os estratos com menores
rendimentos, devido a seu modo de
vida, valores e mentalidade tendem a se
aproximar do proletariado. São
geralmente estes estratos que compõem
os representantes sindicais e partidários
da classe trabalhadora.
A grande questão é que a burocracia
como classe distinta tanto da burguesia
como do proletariado tem interesses
particulares de classe. No final das
contas, dentro da sociedade capitalista,
a burocracia é sempre uma classe
auxiliar da burguesia, tanto em seus
estratos superiores quanto inferiores. Os
sindicatos e os partidos
autodenominados operários não são
outra coisa senão uma expressão dos
interesses de classe da burocracia. Ao
fortalecer-se esta fração da burocracia
(sindical e partidária), fortalece-se na
mesma medida as relações de produção
capitalistas. Um dos grandes méritos do comunismo
de conselhos foi identificar o caráter
essencialmente contra-revolucionário
dos partidos e dos sindicatos. Todo o
discurso “revolucionário” que dominava
no seio da classe operária no início do
século 20 tinha na questão parlamentar,
ou seja, conquista do poder de estado, e
na questão sindical, ou seja, melhoria
das condições de vida do trabalhador
dentro da sociedade capitalista, todo seu
sustentáculo ideológico e guias de ação
política.
A ação prática dos trabalhadores,
criando seus conselhos de operários e
soldados e a produção teórica sobre esta
prática, expressa principalmente pelos
autores que ficaram conhecidos como
comunistas conselhistas, são uma total
oposição à burocracia e seus
representantes ideológicos, os
“comunistas” de partido e de sindicato.
Uma relação fundamental das
sociedades de classes se reproduz no
interior dos partidos e sindicatos: a
relação entre dirigentes e dirigidos.
Toda organização burocrática é fundada
nesta relação, fulcro do burocratismo.
Nos conselhos operários, tal relação é
abolida. Os conselhos se caracterizam,
contrariamente aos sindicatos, que se
organizam por categoria profissional,
pela organização que tem no local de
trabalho seu locus prioritário. Dentro de
uma fábrica, por exemplo, os conselhos
são formados por membros
reconhecidamente eleitos das várias
seções de que se compõe a fábrica.
Estes delegados não têm função
legislativa, mas tão somente executiva,
ou seja, os conselhos põem em
funcionamento as decisões que o
conjunto dos trabalhadores da fábrica
em questão decidiu em suas várias
seções. Ou seja, os conselhos não são
um poder sobre os trabalhadores, pelo
contrário, são expressões do poder
coletivo dos trabalhadores autoorganizados.
Ao romper com a relação entre
dirigentes e dirigidos, os conselhos
eliminam os mediadores, os políticos
profissionais, eliminam também a
divisão entre luta econômica e luta
política, divisão que tanto prejudicou a
classe operária e favoreceu os partidos
políticos. Vê-se, deste modo, que a
constituição dos conselhos operários
conforma uma unidade da classe
trabalhadora. A implicação mais séria
disto é a criação das condições para a
constituição de uma sociedade
radicalmente distinta, a sociedade
autogerida.
Diante do exposto, é fácil perceber que
a acolhida dos partidos e dos sindicatos
aos conselhos operários não é nada
amigável. Também, a resposta dos
intelectuais que representam os
interesses das burocracias partidária e
sindical não foi nada amistosa com
relação aos intelectuais e militantes que
defendiam e expressavam teoricamente
os conselhos. Ilustrativo disto foi o
texto que Lênin escreveu em 1921,
intitulado: “O Esquerdismo: Doença
Infantil do Comunismo”. O panfleto não
é integralmente destinado contra estes
autores, mas em grande medida aponta
suas armas contra eles, principalmente
Gorter, Pannekoek, Rhüle etc. Em que
pese nesta data ainda não existisse a
corrente intitulada comunismo de
conselhos, que só veio a se consolidar
mesmo em meados da década de 1920.
Este conjunto de autores, devido ao
panfleto de Lênin, ficou largamente
conhecido como esquerdistas,
expressão tida neste contexto como
sendo pejorativa.
A emergência dos conselhos operários
representou então a constituição de uma
nova concepção da teoria marxista e
revolucionária. Os comunistas
111
conselhistas retomaram o pensamento
original de Marx e o levaram às últimas
conseqüências, analisando a ascensão
da luta operária nas duas primeiras
décadas do século 20.
A crítica aos postulados da social
democracia já havia sido feita mesmo
dentro do partido . Com a revolução
russa de 1917, o partido socialdemocrata
russo, que era cindido em
duas alas: a menchevique (que em russo
significa minoria) e a bolchevique
(maioria), forneceu as condições
formais para a criação do partido
comunista russo. A tendência
bolchevique, quando eclodiu a vaga
revolucionária, viu as condições sociais
concretas para se estabelecerem como
partido próprio, independente do partido
social-democrata. Foi o que de fato
ocorreu.
O partido comunista russo ou os
bolcheviques representou um grande
avanço da classe burocrática. Como
conseguiram dar um golpe de estado em
outubro de 1917 na Rússia,
conquistando assim todo o aparelho que
constitui a instituição estatal, os
bolcheviques demonstraram a que
extremos pode chegar a burocracia
gerindo uma economia capitalista. Ao
contrário do que muitos dizem, jamais
se configurou na Rússia qualquer forma
de “socialismo” real ou imaginário. O
que se constituiu ali foi tão-somente um
capitalismo de estado, ou seja, um
capitalismo cuja burguesia se confunde
com a burocracia estatal. Se no capitalismo privado (Estados Unidos,
Alemanha, França etc.) quem se
apropria da maior parte da mais valia é
a classe burguesa; no capitalismo de
estado (antiga União Soviética, Cuba,
China etc.) é a burocracia estatal.
Assim, os autores que representam o
comunismo de conselhos não pouparam
críticas aos bolcheviques e à sua tão
falada revolução russa. Os textos são
inúmeros e autores como Pannekoek,
Korsch, Rhüle, Gorter, Mattick etc.
aparecem como destaques nesta dura
crítica.
Mas em que consiste precisamente o
comunismo de conselhos? Quais são
seus princípios fundamentais? Esta é a
tarefa que temos à frente. Buscaremos
efetivá-la no próximo tópico.
Principais teses do comunismo de
conselhos: princípios da Autogestão
Social
Os conselhos operários não são uma
forma acabada, são um princípio. O
comunismo de conselhos é a expressão
teórica do movimento operário em sua
forma mais desenvolvida, os conselhos
operários. Os trabalhadores, durante
todo o século 20, sempre que se
organizaram em direção à abolição do
modo de produção capitalista,
encontraram nos conselhos operários
sua expressão mais radical e
revolucionária.
A perspectiva que melhor expressou e
compreendeu o movimento operário
revolucionário e as possibilidades de
constituição da sociedade autogerida foi
o comunismo de conselhos. Em que
fundamentalmente consiste o
comunismo de conselhos? Quais são
seus aspectos centrais?
Os comunistas conselhistas são um
conjunto de autores marxistas, ou seja,
que entende o materialismo históricodialético
como um método adequado
112
para se analisar os fenômenos sociais e
uma teoria correta da realidade social e
histórica; são um conjunto de
revolucionários que expressaram
teoricamente o movimento
revolucionário do século 20. Embora
tivessem idéias que estavam dentro de
seu tempo, pois a onda revolucionária
que vivenciaram e expressaram foi uma
das mais avançadas, conseguiram
acompanhar a revolução que se
desenvolvia à frente de seus olhos.
Durante este processo, várias cisões e
rupturas foram necessárias (capítulo 2)
para que se colocassem como
verdadeira expressão dos interesses
revolucionários do proletariado em luta.
Quando o proletariado deixa de ser,
mesmo que temporariamente, classe em
si, e passa a ser classe para si, não deve
recuar nenhum centímetro sequer, pois
não tem nada a perder. Também aqueles
que julgam expressar teoricamente este
movimento não devem fazer qualquer
concessão, posto que senão, não
conseguem compreender
adequadamente o processo
revolucionário.
Deste modo, podemos delinear aqui, de
modo bem rápido, os principais
aspectos da perspectiva conselhista.
a) Auto-emancipação dos
trabalhadores
Esta assertiva, vinda dos Estatutos da
Associação Internacional dos
Trabalhadores redigidos por Marx,
defende a idéia de que somente os
trabalhadores podem libertar-se a si
mesmos. Nenhuma outra classe o fará
efetivamente. Esta é a tarefa dos
explorados na sociedade capitalista.
Enquanto precisarem de líderes, de
dirigentes, de indivíduos e grupos
sociais oriundos tanto da classe
trabalhadora quanto de outras classes
sociais, o movimento em direção à
emancipação humana encontrará
problemas em se realizar.
Esta é uma questão ao mesmo tempo
lógica e histórica. Do ponto de vista
lógico, é necessário destacar que a
grande tarefa da classe operária hoje é
gerir suas próprias lutas, não colocá-la
nas mãos de outras classes, como a
burocracia partidária e sindical, por
exemplo. Entretanto, será a tarefa de
reorganizar a sociedade como um todo,
o maior desafio da classe trabalhadora.
Deste modo, se ela não consegue nem
levar a cabo suas próprias lutas, muito
menos será capaz de colocar a
sociedade como um todo para funcionar
sobre novas bases.
Do ponto de vista histórico, temos visto
que um dos maiores obstáculos para a
disputa entre capital e trabalho ser
resolvida positivamente em favor deste
último, não é nem a polícia, nem o
estado, nem os capitalistas, mas sim os
ditos representantes da classe
trabalhadora, os ditos partidos de
esquerda e os sindicatos. Estas frações
da classe burocrática, em vários
momentos históricos da luta operária
demonstraram quais são efetivamente
seus interesses, ou seja, manter os
privilégios de classe da burocracia.
Esta, ao mesmo tempo que não é
proprietária dos meios de produção,
possui o monopólio da organização e
gestão das lutas. Deixam os
trabalhadores em estado de passividade,
obediência e submissão, portanto
reproduzem a lógica das sociedades de
classes, ou seja, a divisão entre
dirigentes e dirigidos. A história da
social democracia e do bolchevismo é
prova mais clara deste processo. Desta
maneira, para tornarem-se livres, os
trabalhadores devem antes de mais nada
resolver sua situação com estas
burocracias, ditas suas representantes. b) Ação direta
Esta expressão usualmente vinculada à
tradição anarquista também compõe o
leque de princípios que norteiam a
perspectiva conselhista. Entretanto,
ação direta para o conselhismo não
significa “propaganda pela ação”, como
comumente os movimentos anarquistas
compreendem. Não que toda tradição
anarquista seja assim, mas a maneira
como a expressão “ação direta” foi
divulgada nos meios políticos adquiriu
esta forma.
Ou seja, na perspectiva conselhista,
ação direta quer dizer luta direta dos
trabalhadores contra os capitalistas e
burocracias. Não é necessariamente a
ação de grupos conselhistas, mas sim o
movimento do proletariado, organizado
em conselhos operários e, portanto,
contrário à classe capitalista e todas as
suas classes auxiliares. A ação direta é o
processo de auto-organização dos
trabalhadores no sentido de formarem
os conselhos operários, expressão mais
acabada da classe operária para si.
Neste sentido, a ação direta é a
afirmação dos interesses do proletariado
em oposição à classe capitalista e às
burocracias sindicais e partidárias. Esta
ação manifesta-se nas “greves
selvagens”, ou seja, ilegais, não
desencadeadas pelos sindicatos, mas
sim pela manifestação dos interesses e
da comoção da classe trabalhadora,
organizando ela própria seus assuntos.
Este tipo de conduta dos trabalhadores
sempre se afirma como uma negação
das organizações burocráticas. Estas
sempre buscam dirigir, controlar o
movimento operário, as greves ilegais
são um momento de negação prática
destas organizações, pois fogem do seu
controle. Os núcleos formados pela
organização destas greves podem
conduzir à formação de conselhos
operários.
c) Recusa e abolição de
todas as organizações
burocráticas (partidos,
sindicatos, estado etc.)
Uma organização burocrática é fundada
na divisão entre dirigentes e dirigidos.
Neste tipo de organização existem
aqueles que detêm o poder de decisão e
aqueles que somente executam. Os
partidos políticos, os sindicatos, o
estado, as fábricas etc. são todas
organizações burocráticas. Esta divisão
fundamental do processo de
organização do trabalho e da vida como
um todo é a marca geral da sociedade
capitalista. Trata-se de um princípio que
norteia a organização da vida nesta
sociedade. Está introjetado na
consciência dos indivíduos, é uma
relação naturalizada e justificada pela
ideologia. Entretanto, a separação entre
decisão e execução do processo de
trabalho serve para perpetuar a divisão
de classes sociais existentes na
sociedade. Esta divisão é na verdade o
cerne das organizações burguesas, pois
aqueles que detêm o poder de decisão
compõem uma classe e aqueles que
executam pertencem a outra classe.
Qualquer perspectiva que se afirme
revolucionária, ou seja, que almeja
abolir as relações de classes e, portanto,
as classes sociais, deve atentar-se para
esta questão. É impossível chegar-se à
liberdade reproduzindo a servidão, da
mesma forma, não se pode abolir as
classes sociais reproduzindo as relações
de classe. É por isto que o movimento
revolucionário dos trabalhadores deve
abolir de imediato a divisão entre
dirigentes e dirigidos. Na verdade ele só
se constitui como revolucionário à
medida que abole tal relação.
É por esta razão que o conselhismo
defende a abolição de toda e qualquer
burocracia, seja das instituições
burguesas propriamente ditas, seja das organizações que dizem representar os
trabalhadores. Historicamente, esta
possibilidade tem se afirmado quando
os trabalhadores constroem suas
próprias organizações e instituições e
estas são os conselhos operários.
d) Defesa dos conselhos
operários como órgãos de luta
e gestão da sociedade futura
Os conselhos operários são as
instituições criadas pelos trabalhadores
no sentido de constituir a autoorganização
de suas lutas. Formam-se
na ação direta, na recusa das
burocracias e são a maneira prática
criada pelos trabalhadores para sua
auto-emancipação. Evidentemente que
estas organizações não surgem de idéias
mirabolantes dos reformadores sociais,
são na realidade o produto de um longo
processo de lutas e de auto-educação
dos trabalhadores.
Se a eles cabe a tarefa de se libertarem
do jugo de seus exploradores,
naturalmente que também a eles cabe a
maneira de realizar esta tarefa. Durante
todo o século 20, a experiência
revolucionária do proletariado sempre
se colocou como um antagonismo
inconciliável com todas as classes
exploradoras e parasitárias de nossa
sociedade.
O processo de lutas sociais é permeado
de contradições, de avanços e recuos. A
emergência de uma consciência
revolucionária depende da constituição
de um momento revolucionário, mas
este só se consolida quando a
consciência avançou a um nível
revolucionário. De acordo com Jensen
(2001), a luta operária passa por três
fases: 1) Lutas espontâneas. Presente na
quebra e roubo de utensílios,
absenteísmo, sabotagem etc., ou seja, é
uma recusa do capital, mas que não se
manifesta numa forma discursiva. É
uma recusa prática, mas que não aponta
caminhos para se superar as relações
estabelecidas. 2) Lutas autônomas. Já
há a criação de uma discursividade, os
trabalhadores estão organizados
coletivamente, já superaram suas
burocracias partidárias e sindicais, mas
ainda não desenvolveram uma
consciência revolucionária, ou seja, a
luta autônoma basta a si mesma. Se o
que importa é moradia, lutemos por
moradia, se o que importa é terra,
lutemos por terra, se o que importa é
salário, lutemos por salário etc. Neste
nível, as lutas, embora já tenham se
tornado autônomas, ainda não
constituíram uma consciência
revolucionária. 3) Lutas
autogestionárias. Neste nível, além da
recusa do capital e da burocracia, há a
afirmação da autogestão social,
enquanto as formas anteriores se
desenvolvem até o nível da negação,
nas lutas autogestionárias já é
perceptível a afirmação de uma nova
sociedade fundada em outras bases. Em
outras palavras, não há momento
revolucionário que não seja produto de
uma consciência revolucionária e da
mesma forma, não há consciência
revolucionária que não seja construída
numa prática revolucionária.
Deste modo, a perspectiva conselhista
concebe a ação revolucionária no
sentido da busca de autonomização da
classe operária, portanto uma recusa do
capital e da burocracia e ao mesmo
tempo uma ação no sentido de construir
uma nova sociedade, portanto da
afirmação da autogestão social.
Historicamente, a maneira de
autonomização das lutas dos
trabalhadores tem se dado através da
criação de organizações as quais eles
próprios controlam, os conselhos
operários. A autogestão das lutas é pré-condição
para a autogestão da sociedade futura.
Somente em organismos criados e
controlados pelos trabalhadores é que
eles podem encaminhar de acordo com
seus interesses e de acordo com suas
necessidades as suas próprias lutas. Tais
instituições devem abolir imediatamente
a divisão dirigente/dirigido, deve ser um
corpo unitário de luta. Esta unidade é
garantida pela confluência de interesses
de classe comum, ou seja, abolição do
estado, do capitalista, da burocracia etc.
e afirmação da associação livre de
produtores, a autogestão das fábricas e
da sociedade como um todo.
Últimas palavras
Para encerrar esta pequena introdução
ao Comunismo de Conselhos, resta
apontar um pouco de seu legado. Tal
perspectiva, como já abordamos, foi
marginalizada ao longo da história. A
razão disto é que ela foi derrotada.
Melhor dizendo, isto só prova que ela
ainda é uma concepção que assusta as
classes dominantes (de esquerda e de
direita). Pelo fato de ser uma teoria
revolucionária, o comunismo de
conselhos só foi retomado, ao longo da
história do século 20, em momentos de
ascensão da luta revolucionária do
proletariado.
Não é à toa que as concepções
bolcheviques, social-democratas etc.
sejam vistas como os verdadeiros
legados do marxismo. Quem já ouviu
falar em Herman Gorter? Otho Rühle?
Anton Pannekoek? Paul Mattick?
Excetuando alguns excêntricos, mais
ninguém. Quem já ouviu falar em
Lênin, Trotsky, Stálin, Mao Tse-Tung?
Kautsky, Berstein etc.? Estes são mais
famosos e aparecem até nos livros
didáticos de história e geografia aqui no
Brasil. Por que isto se dá desta maneira?
Estes últimos venceram a batalha das
idéias, justamente por que conseguiram
derrotar concretamente o proletariado.
Mas de qualquer maneira, o comunismo
de conselhos sempre retorna. É expulso
pelas portas dos fundos, mas num
rompante repentino irrompe novamente
pelas portas da frente. Foi assim ao
longo da história do século 20. Quando
se formalizou, na segunda metade da
década de 1920, o comunismo de
conselhos era reconhecido por amplas
camadas da sociedade. Quando o
proletariado foi derrotado por toda a
Europa: na Rússia pelos bolcheviques,
na Alemanha pela social-democracia e
pelo nazismo, na Itália pelo fascismo
etc., também o comunismo de conselhos
(expressão teórica do proletariado
revolucionário) o foi. O Comunismo de
conselhos só é forte e reconhecido,
quando o movimento operário rompe
concretamente com esta sociedade.
Quando se constituem os conselhos
operários, também o comunismo de
conselhos, como expressão teórica e
política dos trabalhadores, se fortalece e
se revigora.
Referências bibliográficas
BRINTON, Maurice. Os Bolcheviques e o
Controle Operário. Porto: Afrontamento,
1975.
GUILERM, Alain & BOURDET, Yvon.
Autogestão: uma mudança radical. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1976.
JENSEN, Karl. A luta Operária e os Limites
do Autonomismo. Revista Ruptura. Ano 8,
número 7, agosto de 2001. Goiânia, Movimento
Autogestionário, 2001.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A
ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
NASCIMENTO, Cláudio. Rosa Luxemburgo e
Solidarnosc: Autonomia Operária e
Autogestão Socialista. São Paulo: Edições
Loyola, 1988.
PANNEKOEK, Anton. A Revolução dos
Trabalhadores. Florianópolis, Barba Ruiva,
2007.
________. Conselhos operários. in: Conselhos
Operários. Coimbra: Centelha, 1975.
______. Los Consejos Obreros. Madrid: Zero,
1977.
TRAGTENBERG, Maurício. Reflexões Sobre
o Socialismo. São Paulo: Moderna, 1986.
VIANA, Nildo. Senso Comum,
Representações Sociais e Representações
Cotidianas. Bauru-SP. EDUSC, 2008b.
______. Manifesto Autogestionário. Rio de
Janeiro. Achiamé, 2008a.
______. Estado Democracia e Cidadania: a
Dinâmica da Política Institucional no
Capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário