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sábado, 1 de agosto de 2015

Breve História do Neoliberalismo


Nildo Viana - Doutor em Sociologia/UNB e Professor na Universidade Federal de Goiás/UFG.

A história da humanidade é marcada por mudanças, evoluções, rupturas. A sucessão de modos de produção é expressão deste processo. Em cada modo de produção também há mudanças, evoluções, rupturas. Isto ocorre com todos os modos de produção e também com o capitalismo. A sucessão de regimes de acumulação demonstra o processo de transformação no modo de produção capitalista. Porém, um regime de acumulação também não é estático, é histórico e caracterizado por alterações e isto vale para os seus elementos componentes. O neoliberalismo, assim como qualquer outra formação estatal capitalista, não é algo estático e a-histórico. O neoliberalismo também sofre alterações com o desenvolvimento histórico. Sendo assim, adquire importância tentar observar as mudanças ocorridas no Estado neoliberal, desde suas origens até os dias atuais.

As Origens do Neoliberalismo

Para alguns, o neoliberalismo teria sua origem na década de 1940. Seria nesta época que surgiria as ideologias produzidas por Hayek e Rawls, entre outros. No entanto, esta época era a do Estado integracionista, vulgo do “bem estar social”, um antípoda do Estado neoliberal. Nesse contexto, o neoliberalismo era apenas uma ideologia. Assim, o que se pode dizer é que nesta época surgiu a ideologia neoliberal, mas não o Estado neoliberal. Pensar que o Estado neoliberal foi a mera aplicação desta ideologia é outro equívoco a ser evitado. Trata-se de uma concepção idealista e nada dialética. A ideologia neoliberal produzida nos anos 1940 é retomada, assim como outras são produzidas, para atender às novas necessidades do capital. As origens do neoliberalismo estão muito mais nas transformações do capitalismo do que no reino nebuloso das ideologias. O modo de produção capitalista é a fonte explicativa para as transformações estatais e ideológicas e não o contrário. A idéia de totalidade, exigência metodológica fundamental, é abandonada por concepções que enxergam o Estado capitalista numa suposta evolução imanente, assim como os idealistas fazem com a história das idéias.

A necessidade da acumulação capitalista e suas dificuldades (tendência declinante da taxa de lucro, luta operária) são fundamentais para explicar a emergência do neoliberalismo. O toyotismo contribuiu com a recuperação do Japão e proporcionou um novo modelo de organização do trabalho que foi copiado, posteriormente, no contexto das novas necessidades do capital a partir da década de 1980, pelos países capitalistas imperialistas. O modelo Toyota, forma específica instaurada no processo de valorização (relações de trabalho), proporcionou a base da chamada reestruturação produtiva e sua generalização mundial que se inicia nos países de capitalismo imperialista e atinge, de forma diferenciada, os países de capitalismo subordinado. Um novo regime de acumulação se instaura e este exige uma nova formação estatal, o neoliberalismo. A crise do regime de acumulação anterior, fundado no fordismo, estado integracionista e imperialismo oligopolista transnacional, expressa na queda da taxa de lucro médio (Harvey, 1992) e nas lutas sociais em todo mundo (Viana, 1993; Viana, 2008), com destaque para as lutas operárias e estudantis na Itália e França, produziu a necessidade de transformação do regime de acumulação. A emergência do neoliberalismo é a resposta a este processo de cries do regime de acumulação anterior, sendo manifestação do novo regime. O capitalismo busca alternativas no sentido de superar as crises e dificuldades encontradas e estas não terminaram com a derrota de maio de 1968 em Paris, pois as lutas continuavam existindo, enfraquecidas em alguns países, mais ainda influentes em outros, tal como no caso de Portugal e a Revolução dos Cravos até chegar ao da Polônia de 1980. Porém, a crise do petróleo e outros tropeços do capitalismo também dificultavam a situação. O trilateralismo era a tentativa que já anunciava o futuro, o regime de acumulação integral, mas ainda não o expressava integralmente. A década de 1970 foi um tempo de transição, no qual o antigo regime de acumulação (intensivo-extensivo) ainda era hegemônico, mas embriões do novo regime de acumulação já existiam. O principal embrião do novo regime de acumulação que já estava presente no trilateralismo é a ênfase repressiva no papel do Estado e na exploração internacional (fora do âmbito do regime de acumulação, no plano cultural, se desenvolvia o pósestruturalismo, por exemplo). A chamada Comissão Trilateral (Assmann, 1979) foi uma tentativa de evitar o aprofundamento da crise ainda no interior do regime de acumulação intensivoextensivo e seu fracasso provocou a instauração do regime de acumulação integral, cujo objetivo é aumentar a exploração, nacional e internacional. O trilateralismo é o último suspiro do regime de acumulação intensivo-extensivo e, ao mesmo tempo, o anunciador do novo regime de acumulação. O que o trilateralismo anuncia do novo regime de acumulação? Ele anuncia a necessidade de aumento da exploração internacional e da repressão para conseguir concretizar este objetivo:
O mundo industrializado começa a se amedrontar e a tomar precauções diante de uma união mais efetiva dos países pobres. O ‘trilateralismo’ elabora uma resposta histórica. O ‘trilateralismo’ não quer transformações demasiados radicais, porém tampouco permanece imóvel. Chegou à conclusão de que é necessário mudar algumas coisas importantes. No entanto, não se deverá alimentar muitas ilusões; pretende reformar o sistema para salvá-lo. Com a oportuna concessão no que se refere a alguns itens, quer momentaneamente acalmar o Terceiro Mundo e evitar um afrontamento que venha fazer naufragar o ‘livre comércio’ e a ‘livre empresa’, que até agora tem gerado dividendos tão suculentos para os países ricos (Siste e Iriarte, 1979, p. 173).
O processo de intensificação da exploração mundial é o objetivo, mas não no discurso. Este é um dos problemas dos analistas da Comissão Trilateral, pois ficam presos ao discurso sem perceber o que está por detrás dele. A preocupação com o chamado “Terceiro Mundo” é mais do que uma precaução. Trata-se de realizar uma política preventiva aos possíveis efeitos de uma política de espoliação ainda maior. Este processo, aliado com o neofordismo, o processo inflacionário galopante e a pressão das dívidas externas, marcam esta etapa transitória e fracassada do regime de acumulação anterior, mas que deixou elementos que seriam desenvolvidos pelo regime de acumulação integral, fundamentalmente a intensificação da exploração e da repressão. Porém, no novo regime, a repressão e a exploração deixam de atingir apenas os países de capitalismo subordinado e passam a atingir os países de capitalismo imperialista e passa a ser efetivado a nível internacional e nacional. É neste contexto que nos anos 1980 emerge o neoliberalismo e a chamada “reestruturação produtiva”, sendo que são processos complementares, aliado ainda com o neo-imperialismo. Estes elementos são sendo implantados paulatinamente a partir dos anos 1980. A eleição do governo Thatcher em 1979 ao lado da vitória eleitoral de Ronald Reagan em 1980 e, posteriormente de Helmuth Kohl em 1982 marca o avanço sucessivo de governos neoliberais, que, assim, assumem o poder na Inglaterra, EUA e Alemanha, respectivamente. Esta é a primeira fase do capitalismo neoliberal (regime de acumulação integral), marcado pela eleição de governos neoliberais e de outros que, paulatinamente, passam a adotar políticas neoliberais.
Emergência e Consolidação do Neoliberalismo
Este período vai de 1980 até o início dos anos 1990. É a época de expansão do neoliberalismo e de suas primeiras manifestações, tal como as privatizações, a  desregulamentação das relações de trabalho, o ajuste fiscal e monetário, a desregulamentação dos mercados. O neoliberalismo – expressão do regime de acumulação integral ao lado do neo-imperialismo e da reestruturação produtiva – busca, para utilizar expressão de Bourdieu, “uma exploração sem limites” (Bourdieu, 1998). O endurecimento do capitalismo a partir desta época vai se desenvolvendo e expandindo pelo mundo.
Neste contexto, há uma precarização do trabalho e um aumento do desemprego, produzidos pelas alterações no processo de produção e reprodução do capital a nível mundial. As condições de vida desfavoráveis e o crescimento da miséria e da pobreza se generalizam, inclusive nos países imperialistas. O Estado neoliberal corrói as políticas de assistência social e reforça mais ainda as condições desfavoráveis para a maioria da população. No caso do capitalismo subordinado, que reproduz sua subordinação implantando um processo de exploração ainda mais intenso do que já existia. O neoliberalismo subordinado faz com que a situação já desfavorável se torne ainda mais grave.
O ciclo se encerra no final dos anos 1980. O neoliberalismo emergente é substituído pelo neoliberalismo hegemônico. A crise do capitalismo estatal (queda do muro de Berlim) e o fim da Guerra Fria, aliado à expansão neoliberal no capitalismo subordinado, promovem uma consolidação ideológica e política do neoliberalismo. O regime de acumulação integral se torna hegemônico mundialmente e fecha o ciclo. Uma
vez consolidado o neoliberalismo, temos um aumento geral da exploração e da pobreza que vai se desenvolvendo paulatinamente na década de 1980. A hegemonia neoliberal é reforçada pela crise do capitalismo estatal e pelo desgaste ideológico e político do chamado “marxismo”-leninismo, o que traz mudanças na oposição – que tem uma parte que capitula, outra que se mantém na oposição com o mesmo credo e uma outra que busca nova inspiração política e teórica. A vitória do neoliberalismo é anunciada por ideologias grandiloqüentes com a do “Fim da História” e emerge o pensamento único. O mundo se torna neoliberal.

O Neoliberalismo Hegemônico e a Retomada da Acumulação Capitalista

A partir dos anos 1990 o neoliberalismo entra em sua segunda fase, a fase hegemônica. Já praticamente livre do bloco capitalista estatal e das forças políticas que lhe apoiava, com governos neoliberais assumindo o controle de países como Brasil e Argentina, entre vários outros, a nova fase é de uma ofensiva poderosa buscando aumentar ainda mais a exploração capitalista mundial. A acumulação capitalista nos anos 1980 conseguiu evitar uma queda e iniciou um processo de recuperação e intensificação. Isto, no entanto, não foi suficiente para garantir o processo de retomada da acumulação capitalista.
“Desenvolveu-se em todo o mundo um ‘consenso político’ sobre política macroeconômica; os governos têm adotado inequivocadamente uma agenda política neoliberal. Desde o início da década de 1990, as reformas macroeconômicas adotadas nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm apresentado muitos dos ingredientes essenciais dos programas de ajuste estrutural (PAEs) aplicados no Terceiro Mundo e no Leste Europeu” (Chossudovsky, 1999, p. 13).
Assim, a privatização, aumento do desemprego, diminuição das políticas de assistência social, são generalizadas e até nos países imperialistas as medidas neoliberais se tornam mais fortes. A pressão em torno da dívida externa se torna maior e uma estratégia para aumentar a exploração internacional (Chossudovsky, 1999). Para se manter este processo de “exploração sem limites” até nos países imperialistas, se cria as ideologias necessárias para a aceitação das mudanças. É neste contexto que surgem ideologias fatalistas como a da globalização e outras produções ideológicas que visam descrever o fenômeno, tal como a ideologia da exclusão social que vai ser cunhada na França a partir de 1992 (Viana, 2008).
Pode-se agora compreender porque, a despeito de sua inconsistência teórica, a noção de exclusão abrange um grande consenso. As medidas tomadas para lutar contra a exclusão tomam o lugar das políticas sociais mais gerais, com finalidades preventivas e não somente reparadoras, que teriam por objetivo controlar sobretudo os fatores de dissociação social (Castel, 2004, p. 32).
A emergência da ideologia da exclusão social é produto do processo de lumpemproletarização, que ocorre na época do regime de acumulação integral (Viana, 2008), e está ligada também ao processo de constituição de políticas de assistência social paliativas e setoriais em substituição as políticas de assistência social de caráter estrutural que existia na época do estado integracionista. A ideologia da exclusão social  também serve para ofuscar a luta de classes e realizar a defesa da inclusão dos excluídos, sem questionar as relações de classes, o que torna a inclusão algo benéfico e a exclusão maléfica, sem questionar em que se propõe a inclusão (no trabalho alienado e explorado).
O empobrecimento da população (lumpemproletarização) se torna cada vez maior na Europa e Estados Unidos e as políticas de “ação afirmativa”, de “cotas”, voltadas para setores específicos da sociedade (negros, mulheres, jovens, homossexuais, etc.) é acompanhado pela responsabilização da sociedade civil, criando instituições (ONGs, por exemplo) e ideologias (voluntariado) visando compensar a poupança de recursos por parte do aparato estatal. Aliado a isso, novos nichos de mercado são produzidos, também seguindo a lógica setorial e isto se reproduz nas ideologias da moda, tal como o pós-estruturalismo e seus derivados (tal como a ideologia do gênero). A diminuição dos gastos estatais provocou uma redução do número de funcionários públicos e burocratas e as instituições da sociedade civil, especialmente as ONGs e o que se convencionou chamar “terceiro setor”, acaba sendo não somente um processo para que a sociedade civil organizada execute um papel que era da alçada do Estado como também absorva parte da burocracia estatal dispensada. As políticas de assistência social paliativas e setoriais são reforçadas pela ideologia pós-estruturalista e por novas ideologias derivadas e emergentes que se fundamentam no localismo, no microreformismo, etc.
Outra conseqüência do empobrecimento da população se revela no aumento da fome, do desemprego, da migração internacional, da criminalidade, da violência e até mesmo o retorno de moléstias contagiosas (Chossudovsky, 1999). Porém, há duas conseqüências dentre estas que destacaremos: o aumento da criminalidade e da violência, por um lado; e o barateamento do preço da força de trabalho, por outro. A violência se torna um dos temas acadêmicos mais debatidos e, na maioria dos casos, sob a perspectiva conservadora, no qual não faltam cientistas sociais para culpabilizar o indivíduo ou reclamar mais moralização e mais repressão (Viana, 2002). A origem disso, no entanto, se encontra na chamada “doutrina da tolerância zero”, produzida em Nova York e exportada para o resto do mundo:
“De Nova York, a doutrina da ‘tolerância zero’, instrumento de legitimação da gestão policial e judiciária da pobreza que incomoda – a que se vê, a que causa incidentes e desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma difusa sensação de insegurança, ou simplesmente de incômodo tenaz e de inconveniência –, propagou-se através do globo a uma velocidade alucinante. E com ela a retórica militar da ‘guerra’ ao crime e da ‘reconquista’ do espaço público, que assimila os delinqüentes (reais ou imaginários), sem teto, mendigos e outros marginais a invasores estrangeiros – o que facilita o amálgama com a imigração, sempre rendoso leitoralmente” (Wacquant, 2001, p. 30).
O estado neoliberal assim se manifesta como Estado mínimo (em políticas de assistência social, em intervenção no mercado e no aparato produtivo) e forte (nas políticas repressivas). O processo repressivo é complementado pela política de dispersão da classe operária. O deslocamento de indústrias capitalistas para países e regiões pouco industrializadas e/ou com grande população tem o duplo papel de enfraquecer politicamente o proletariado (dispersão espacial, recrutamento de novo proletariado sem tradição de luta, pouca concentração dos trabalhadores em cidades e regiões) e aumentar a exploração devido ao uso de força de trabalho em locais com grande reserva da mesma. Este processo todo também faz aumentar a resistência. A partir da segunda metade da década de 1990, há um ressurgimento de uma negação do capitalismo, ainda incipiente, mas que vai crescendo paulatinamente (anarquismo, movimentos sociais, etc.). Este processo de fortalecimento do movimento de contestação vai ser realizado com contradições, mas expressando justamente uma resposta ao processo de aumento geral da exploração e tudo que é derivado daí. O processo de precarização e o de lumpemproletarização proporcionam a organização de novos movimentos sociais, tal como o dos desempregados e dos sem-teto. Devido suas condições sociais e falta de ligação orgânica, os movimento dos desempregados pode ser considerado um “milagre social” (Bourdieu, 1998) e reflete este processo social de “exploração sem limites”.
A emergência do chamado Movimento Antiglobalização, principalmente a partir de 1999, marca uma nova fase de ascensão das lutas sociais, que vai estar presente não só nas manifestações e ativismo de indivíduos e grupos, mas também em mobilização da população e radicalização de suas lutas, tal como ocorreu no México e Argentina. As lutas sociais no México e Argentina mostraram uma grande radicalização e colocaram o neoliberalismo em perigo. O atentado de 11 de setembro de 2001 foi mais uma manifestação das contradições sociais e abriu a possibilidade para uma ofensiva do capitalismo neoliberal, tal como veremos a seguir.

O Neoliberalismo Protofascista

A partir dos anos 2000 inicia-se a terceira fase do neoliberalismo. Esta fase expressa uma resposta repressiva do estado neoliberal para as crescentes mobilizações sociais, principalmente a partir de Seattle, Chiapas, lutas sociais na Argentina e o atentado de 11 de setembro de 2001. A invasão do Iraque pelos EUA é apenas a face mais visível deste processo. O Plano Colômbia e outras estratégias são adotadas pelo Estado Neoliberal, que passa de Estado penal – expressão de Wacquant – para Estado Penal Contra-Insurgente.
O crescimento da pobreza e da miséria ocorre como uma bola de neve e isto produz vários processos sociais, tal como a favelização (Davis, 2006) e a concentração da pobreza urbana. O crescimento das favelas e a organização do espaço urbano feito pela população contrariam a lógica estatal e por isso o Estado neoliberal passa a pensar estratégias de contra-insurgência em relação aos movimentos sociais, grupos políticos e
população favelada, devido ao descontrole sobre eles. Assim, o Estado neoliberal se torna um estado contra-revolucionário preventivo e passa a usar estratégias militares
para controlar a população, inspiradas seja no Iraque invadido pelos EUA, seja na intervenção brasileira no Haiti (Zibechi, 2008). A política de contra-insurgência não é
apenas militar, mas também voltada para ações sociais junto a estas populações, e utiliza a mediação de ONGs, militantes de esquerda, intelectuais, entre outros, para realizar um feedback e realizar atividades (educação popular, profissionalização), e  produzir lideranças e organização democrática, além de expandir revitalizar a produção
e distribuição mercantil no local. Este processo já vinha sendo aplicado sob a forma de assistencialismo (bolsa família, renda cidadã) que aliado às políticas paliativas, realizava políticas setoriais e cooptação de parte da população, e responsabilização da sociedade civil, como ONGs, economia solidária e outras formas de criar estratégias de sobrevivência transformadas em virtude e engajamento popular de matriz neo-reformista. Porém, agora isto é realizado de forma mais controlada pelo aparato estatal e em pontos estratégicos de lugares potencialmente mais explosivos e menos controlados.
A “sociedade nua” de Vance Packard (1966) se transformou em sociedade da vigilância integral. Várias empresas (fábricas, escolas, etc.) usam a vídeo-vigilância para controlar o que ocorre e o processo de trabalho; o sistema de vídeos também se espalha por elevadores, lojas, etc. O mundo virtual também é crescentemente vigiado e controlado, e os governos tentam legalizar uma vigilância que em grande parte já ocorre na prática (Freire, 2006). O sistema de informação e vigilância se torna mais amplo e com os mais variados pretextos (contra criminalidade, terrorismo, pedofilia, etc.). Por detrás disso há mais do que o que aparenta ser, pois se a criminalidade, terrorismo e pedofilia podem ser alvos reais, o que grande alvo é as revoltas populares, interesses nacionais, etc. Isto está ligado à política de contra-insurgência da nova fase do neoliberalismo. Porém, além disso, o Estado neoliberal deve criar as condições para uma nova ofensiva não apenas repressiva, mas também no aspecto financeiro e no processo de exploração. A partir dos anos 2000 houve uma nova queda da taxa de lucro (veja gráfico abaixo). Porém, há um ziguezague e a relativa recuperação a partir de 2003 logo recrudesce. A instabilidade financeira e a ameaça inflacionária são determinações conjunturais que aumentam a necessidade de exploração e ao mesmo tempo o dificulta, já que as condições de vida de grande parte da população já são mais que precárias. Isto também ocorre na esfera cultural, na qual surgem ideólogos protofascistas que não medem esforços em atacar as idéias contestatórias e o marxismo, em especial. O que é novo nos intelectuais protofacistas é a virulência unida a uma tentativa de fazer as tendências de esquerda aparecerem como um inimigo imaginário, visando desarticular qualquer oposição intelectual e facilitar assim a hegemonia burguesa e o aumento da superexploração. As lutas sociais a partir do final dos anos 1990 fez emergir a fase protofacista do neoliberalismo. A contra-revolução preventiva se torna mais intensa e a política de contra-insurgência se torna uma das principais características que se consolida atualmente. O empobrecimento da população e a desorganização do espaço urbano com a favelização e outros fenômenos, aliado com as dificuldades financeiras do capitalismo contemporâneo, marcam a possibilidade de passagem do neoliberalismo protofascista para o fascismo ou a guerra. Porém, existem outras possibilidades e é a luta de classes que definirá qual delas será vitoriosa: autogestão social ou barbárie.

Referências

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1979.
BOURDIEU, P. Contrafogos. Táticas para Enfrentar a Invasão Neoliberal. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo, Boitempo, 2006.
CASTEL, R. As Armadilhas da Exclusão. In: CASTEL, R. et al. Desigualdade e a Questão
Social. 2ª edição, São Paulo, Educ, 2004.
CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza. Impactos das Reformas do FMI e
do Banco Mundial. São Paulo, Moderna, 1999.
FREIRE, Alexandre. Inevitável Mundo Novo. O Fim da Privacidade. São Paulo, Axis
Mundi, 2006.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1992.
PACKARD, Vance. A Sociedade Nua. São Paulo, Ibrasa, 1966.
SISTE, A. e IRIARTE, G. Da Segurança Nacional ao Trilateralismo. In: ASMANN, Hugo.
A Trilateral – Nova Fase do Capitalismo Mundial. Petrópolis, Vozes, 1979.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional
no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.
VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e
Letras, 2009.
VIANA, Nildo. Violência e Escola. In: VIEIRA, R. & VIANA, N. (orgs.). Educação,
Cultura e Sociedade. Abordagens Críticas da Escola. Goiânia, Edições Germinal,
2002.
WACQUANT, Löic. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
ZIBECHI, Raul. A Militarização das Periferias Urbanas. Revista O Comuneiro, n. 9,
Março de 2008.




[1] Professor de Sociologia da Universidade Federal de Goiás, autor de diversos livros tais como Estado, Democracia e Cidadania; O capitalismo na Era da Acumulação Integral; Manifesto Autogestionário etc.

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